A Petrobras usou um artifício contábil, criticado por especialistas, para inflar em R$ 1,3 bilhão o lucro da companhia no primeiro trimestre deste ano, o primeiro sob a gestão de Aldemir Bendine como presidente da estatal.
O resultado, de R$ 5,3 bilhões, surpreendeu o mercado, que esperava lucro inferior. Entre as razões para o bom resultado, a empresa registrou ganho baseado em evento de 7 de maio, 37 dias depois do fim do trimestre.
Isso permitiu à Petrobras reavaliar o risco de calote de parte da dívida de R$ 14,4 bilhões que o setor elétrico tem com a companhia pelo fornecimento de gás e óleo combustível para mover usinas térmicas no Norte do país.
Historicamente, essa conta era paga com subsídios recolhidos nas contas de luz de todos os consumidores, que foram cortados em 2012 quando o governo anunciou que baixaria as tarifas.
A conta dessas elétricas passaria a ser paga com dinheiro do Tesouro. Com o aperto fiscal, os repasses sofreram atrasos, e as elétricas passaram a não pagar a Petrobras. No fim de 2014, o governo retomou os subsídios.
A Petrobras renegociou parte da dívida com as elétricas, mas avaliou que na outra parcela não tinha garantia de recebimento. Por isso, reconhecia no quarto trimestre de 2014 um risco de calote de R$ 4,5 bilhões.
Quando isso ocorre, a empresa tem de fazer a chamada provisão nas demonstrações contábeis. O valor também é lançado como despesa. Isso contribuiu para perda de R$ 21,7 bilhões em 2014.
Na semana passada, a empresa informou ter reavaliado o risco de calote nesses R$ 4,5 bilhões e entendeu que a assinatura de um contrato com a Eletrobras, em que a estatal elétrica deu como garantia créditos do subsídio da conta de luz, dava-lhe aval para reverter R$ 1,3 bilhão da provisão feita antes.
Isso reduziu as despesas em igual valor e, consequentemente, teve impacto do mesmo tamanho no lucro.
O contrato, porém, foi assinado em 7 de maio.
Para Eric Barreto, professor do Insper e sócio da M2M Escola de Negócios, a contabilização “está em desacordo” com norma contábil.
“Um evento que ocorre depois do fechamento do balanço deve ser registrado em nota explicativa, mas não deve afetar o balanço”, diz.
Para o professor de finanças Marcos Piellusch, a manobra é uma “pedalada contábil”. “Não poderia ser feito, porque é um fato gerador referente a outro trimestre. A CVM deve analisar a legalidade da manobra. O caso pede esclarecimento”.
Diretor da consultoria Confirp, Welinton Mota considerou o caso “criatividade pura”. “Não é ético e fere o princípio contábil pelo qual o fato de maio deve ter efeito no segundo trimestre”.
Estrategista-chefe da corretora XP Investimentos, Celson Plácido diz que a decisão reduz a credibilidade. “Não é errado, mas a empresa perde confiança. Mexer em provisão de devedores é recorrente no setor bancário, mas não em empresas”.
Consultada sobre por que tomou um fato de maio para uma reversão registrada no primeiro trimestre, a Petrobras informou apenas que “trabalha para a recuperação da totalidade das dívidas de terceiros”.