Como previmos aqui, logo depois da aprovação do fim da reeleição, o dilema da Câmara seria definir a duração dos mandatos e arrumar o calendário depois daquela decisão açodada, sem maior debate ou reflexão. E o resultado foi a decisão de ontem, de fixar a duração de todos os mandatos em cinco anos e estabelecer um intrincado calendário eleitoral com mandatos de tamanhos variados até 2027, quando haveria a coincidência de eleições para presidente, governador, deputado e senador.
Vamos por partes. É óbvio que, sem reeleição, o mandato atual de quatro anos para chefes de executivos – presidente, governador e prefeito – seria muito curto. Com tantos ritos burocráticos a cumprir, regras de licitação rígidas porém ineficazes contra a corrupção, um governante dificilmente tiraria uma obra do papel em tão curto prazo. Mesmo tendo dinheiro. Coitado do país, que teria governantes do tipo “feijão com arroz”, dedicados apenas a gerir o dia-a-dia, inviabilizada pelo tempo qualquer programação de longo prazo. Então, cinco anos, muito bem. Mas aumentar para cinco anos o mandato dos vereadores, deputados estaduais e federais com este pretexto significa aumentar os intervalos de consulta ao eleitor. Já que não praticamos o plebiscito, o referendo nem outras formas de democracia direta – olha aí o bolivarianismo, seria o coro – pelo menos que se garanta ao eleitor o direito de se manifestar mais frequentemente nas urnas. A Câmara, entretanto, decidiu em sentido oposto. Arrependeu-se da escolha de seu deputado? Espere cinco anos para votar em outro.
Passemos ao Senado. Aí é que a coisa ficou feia mesmo. Os que forem eleitos em 2018, quando serão renovados dois terços da Casa (54) e eleitos dois por estado, terão mandato de nove anos. Ou seja, até 2027. O terço (27) a ser eleito em 2022, um por estado, terá cinco anos. E assim, em 2027 elegeremos ao mesmo tempo os três senadores de cada estado para mandatos de cinco anos. O que se ganha também com isso? Menos oportunidade para o eleitor. A renovação alternada de hoje, um terço, dois terços, permite que o eleitor promova mudanças no Senado, a cada quatro anos, preservando entretanto a estabilidade na Casa. As conjunturas mudam. A eleição dos três ao mesmo tempo resultará em menor diversidade política e partidária. Se a eleição ocorreu, por exemplo, casada com a eleição de um candidato a presidente que seja um fenômeno eleitoral, há o risco de que ele influa muito na eleição de senadores, criando uma casa alinhada e subserviente num grau inadequado à democracia. Contra isso, a alternância tem funcionado bem. Para haver alternância, os mandatos têm que ser mais longos que os dos deputados. Afinal, aquela deve ser, mais que a Câmara, a casa do equilíbrio na federação.
Neste calendário confuso, pior ainda foi a solução da transição para os deputados e o presidente. Os que forem eleitos em 2018 ganharão mandato de quatro anos ainda, mas o presidente não poderá ser reeleito.. Vamos ter um governo chinfrim neste período, seja quem for o eleito. Ainda que o país tenha superado os problemas econômicos atuais, o sucessor de Dilma não pode ter grandes planos de governo. Será quase um presidente tampão.
E o que haverá nos municípios? Os prefeitos e vereadores a serem eleitos no ano que vem terão apenas quatro anos de mandato e não poderão se reeleger. Serão também mandatos pouco promissores em matéria de realizações. Isso para que, em 2020, haja a eleição municipal em que os prefeitos e vereadores eleitos terão cinco anos de mandato, sem reeleição.
E o que ganha o eleitor com esta barafunda? Nada. Apenas a certeza de que não foi levado em conta nesta reforma política que a Câmara está votando. E que o Senado, pelo menos no que lhe diz respeito, acabará mexendo. Aí ela voltará para a Câmara, o ano estará acabando, e o que não for votado antes de 3 outubro não valerá para as eleições do ano que vem. Ou seja, pode ficar tudo como dantes neste quartel do senhor Abrantes.
Por Tereza Cruvinel
Brasil 247