O Clube de Astronomia Louis Cruls, em Campos dos Goytacazes (RJ), reúne estudiosos e entusiastas sobre o espaço. Eles realizam encontros com convidados internacionais, fazem projetos para escolas e trabalham na descoberta de asteroides. Mas, nas últimas semanas, o grupo sofreu um revés por causa da Receita Federal.
A instituição americana Charlie Bates, sem fins lucrativos, fez uma doação para o clube: são 2.600 óculos de papel para observar o Sol durante o solstício de inverno, que ocorre todo dia 21 de junho. Ele marca o início do inverno no hemisfério sul.
O que aconteceu: os óculos ficaram retidos no aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP), porque a Receita Federal cobrou impostos, tarifas e uma multa pesada – ficou tudo no valor de R$ 2.708,10. Este valor precisa ser pago até esta segunda-feira, ou o material volta para os EUA.
O físico Marcelo de Souza, diretor-geral do clube de astronomia, afirma ao jornal O Diário que o material tem valor declarado de apenas R$ 1.107,32. Ele diz: “não temos como pagar se a multa for mantida”.
Marcelo tentou pedir uma extensão de prazo para a Fedex, empresa que está com o material retido e que deu cinco dias úteis para o caso ser resolvido. O prazo acaba hoje, e ele nos disse que a Fedex “não irá aguardar”.
O caso
Como tudo isso aconteceu? Marcelo explica ao Gizmodo Brasil:
A alfândega de Campinas me disse que eles não aceitam isso como doação. Como veio com um valor simbólico, eles pediram que eu enviasse alguma nota fiscal com um valor para o produto, mesmo que não haja valor comercial – me disseram que podia ser o custo de produção.
Pedi isso para a entidade que nos enviou a doação, e recebi uma nota fiscal com um valor para apresentar à Receita, com documentos comprovando a doação. Eles disseram que o material seria taxado.
A nossa surpresa foi com as multas. Eles informaram que foram duas multas. Mesmo quando disse que nós prestamos todos os esclarecimentos pedidos, eles me informaram que a legislação permite que eles multem, já que os óculos chegaram com valor subfaturado.
Nós provamos que não houve má fé. Foi uma doação.
E agora? Marcelo diz que “o único caminho é recorrer oficialmente da decisão”, e parece que a Receita não ajudou muito no processo burocrático:
Fiz a solicitação através de diversos contatos com a Receita, o máximo que consegui foi que me enviassem um formulário. Somente com o envio do formulário preenchido irão analisar o nosso questionamento. Estamos fazendo isso hoje.
Para Marcelo, esta “é uma situação surreal”, e espera “que sirva de alerta para outras pessoas”.
O Instituto Filantropia explica o imbróglio envolvido para importar bens adquiridos por doação:
Caso a intenção seja importar bens adquiridos no exterior por doação, a entidade deve se atentar ao fato de que estará isenta do imposto de importação (II) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) – desde que atendidos os requisitos legais, como possuir o registro e o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Ceas) e comprovar que os bens doados são compatíveis com as suas finalidades sociais.
Além de providências antes do embarque, a entidade ainda deverá submeter o recebimento da doação à análise prévia do órgão federal ligado à sua área de atuação, que se manifestará quanto à compatibilidade dos bens às finalidades da instituição.
O próximo passo será requerer sua habilitação para a prática de atos no Sistema Integrado do Comércio Exterior (Siscomex), junto à Receita Federal. No caso de bens usados, a importação poderá ser licenciada desde que seja sem caráter comercial, para uso próprio e para atender às finalidades institucionais da entidade.
Este caso nos faz lembrar de um problema constante envolvendo cientistas e a alfândega, mencionado em nosso debate pouco antes das eleições: pesquisadores têm dificuldades para importar material de pesquisa, porque ele fica retido na Receita Federal por semanas ou meses e corre o risco de estragar.
8º Encontro Internacional de Astronomia e Astronáutica (foto por Erlon Márcio Couto Alves/Facebook)
O clube
O Clube de Astronomia Louis Cruls foi inaugurado em 1996. Todo ano, eles realizam o Encontro Internacional de Astronomia e Astronáutica, que já contou até com a presença de Buzz Aldrin. A edição mais recente foi realizada em abril.
Desde 2011, a equipe também comanda o Projeto Cientista Criativo, que dá aulas de astronomia, eletrônica, robótica e cosmologia para estudantes do ensino médio e segundo ciclo do ensino fundamental em Campos dos Goytacazes. Também há atividades práticas de observação do céu com auxílio de instrumentos.
Recentemente, uma equipe do clube encontrou 63 asteroides estudando imagens capturadas por telescópios americanos – a descoberta foi confirmada por uma universidade americana.
Adonis Teixeira de Azevedo, estudante do IFF (Instituto Federal Fluminense), descobriu oito desses asteroides e foi convidado por pesquisadores dos EUA a participar de um curso intensivo e a conhecer a NASA.
Com esta ajuda do clube, Campos foi a cidade que mais descobriu asteroides nos últimos nove anos dentro do projeto IASC (Busca Colaborativa Astronômica Internacional), liderado pela Universidade Hardin-Simmons.
Uol