O Ministério Público Federal (MPF) na Paraíba, através da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC), ajuizou, em 15 de junho de 2015, ação civil pública, com pedido de liminar, para que a União e o Estado da Paraíba forneçam o canabidiol gratuitamente a 18 pacientes. Pede-se que o medicamento seja dado, mensalmente, em quantidade suficiente para o tratamento de cada um deles, por tempo indeterminado. A ação foi ajuizada através do processo judicial eletrônico e os pais puderam presenciar o momento do protocolo, feito pela internet, na PRDC.
O MPF requer também que União e Estado realizem todos os contatos com os fornecedores para a aquisição dos fármacos, bem como todo o processo de compra, importação, frete e liberação do canabidiol perante a aduana brasileira, e a estocagem e distribuição da substância, desde que obedeça à periodicidade mensal necessária.
Ainda conforme pretendido na ação, Estado e União devem apresentar ao MPF, em 30 dias, contados da decisão liminar, cronograma completo de aquisição, estocagem e fornecimento da medicação, válido por dois anos, no mínimo. Ao final desse período, o cronograma será substituído por outro, para idêntico período subsequente, e assim por diante, sendo que sua não apresentação não desobrigará Estado e União de iniciar ou continuarem o fornecimento do canabidiol aos pacientes.
Na ação, o procurador regional dos direitos do cidadão, José Godoy Bezerra Souza, ressalta que o estado de saúde das crianças e jovens é grave e o tratamento com o canabidiol, ao qual vêm se submetendo, “não pode sofrer interrupção – ou tem de ser iniciado imediatamente, no caso dos pacientes que não tiveram a oportunidade de começá-lo”, alerta.
Devido às dificuldades financeiras, há pacientes que não recebem a dose completa prescrita de canabidiol. Outros tiveram de parar com a medicação, devido ao alto custo de importação. Atualmente, o custo mensal do canabidiol para uma das crianças, de apenas quatro anos, é de cerca de R$ 3 mil, mantido pelos familiares com a realização de rifas e pedido de doações entre amigos e parentes. Outra família possui duas crianças com síndromes convulsivas e nunca teve amparo algum do estado.
50 convulsões por semana – “Conseguir dormir em paz novamente”, foi como a mãe de um dos pacientes descreveu o desejo de ver a liminar ser deferida pela Justiça Federal. “O meu filho tem 22 anos e nunca conseguiu viver sem convulsões, mesmo tomando uma infinidade de remédios”, descreveu. “O canabidiol foi uma luz para nós, mas essa luz começa a fugir porque a gente não tem condições de sustentá-la. Mas quando vemos o Ministério Público entrando com uma ação que obriga o estado a fornecer o medicamento, então acreditamos que essa luz vai chegar novamente e que nós vamos ter condições de dar a qualidade de vida que nossos filhos merecem”. O paciente iniciou o tratamento com canabidiol em agosto de 2014, tendo apresentado redução significativa no número de convulsões diárias e uma atenuação da intensidade destas convulsões, que provocavam dispneia, taquicardia e cianose. Sem canabidiol, o rapaz tinha em média 50 convulsões por semana.
Danos irreversíveis – Um pai descreveu a angústia de assistir o filho tendo convulsões: “a gente olha para o filho em nossos braços, sem poder controlar as crises e essas crises causando danos cerebrais irreversíveis”, se desespera. “Você sabe que ele está falando hoje, mas depois de uma crise, ele não fala mais, não controla as pernas, os braços. Meu filho já dava alguns passinhos, hoje ele não anda mais; ele não consegue mais ficar em pé sozinho. Ele falava e hoje não fala mais; pegava um objeto na mão e hoje não pega mais. É aterrorizante. Não é fácil conviver com isso. Ver perder alguém que você ama, um filho, é horrível”.
Acordo frustrado – Segundo o procurador da República, José Godoy Bezerra Souza, antes de ajuizar a ação, buscou-se a resolução do problema pelas vias extrajudiciais através de um termo de ajustamento de conduta (TAC) firmado entre o MPF e o Estado da Paraíba. “O termo previa o fornecimento gratuito do canabidiol para, ao menos, os jovens e crianças contemplados com a sentença favorável à ação do MPF ajuizada em 2014. No entanto, apesar do acordo ter sido bem recebido pela Secretaria Estadual de Saúde, que assinou o termo de ajustamento, comprometendo-se a fornecer o medicamento gratuitamente, o estado, através da Procuradoria Geral, resolveu voltar atrás e não cumprir as determinações acordadas”, lamenta o procurador.
Para fundamentar o recuo em relação ao acordo, o procurador-geral do estado mencionou decreto estadual, segundo o qual, termos de ajustamento de conduta firmados por órgãos do Estado da Paraíba apenas são exigíveis se referendados pelo próprio governador ou pela PGE.
O TAC tem natureza de título executivo extrajudicial e poderia ser diretamente executado perante o órgão jurisdicional competente, por ter sido descumprido pelo estado, vez que os prazos se esgotaram e nenhuma de suas cláusulas foi efetivamente cumprida. No entanto, o Ministério Público Federal, respeitando o trâmite do termo de ajustamento de conduta na burocracia interna do Estado da Paraíba e buscando preservar o relacionamento amistoso que mantém com o governo estadual, nessa e em outras esferas de atribuição da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, optou por não executar diretamente o TAC.
Em caso de descumprimento da liminar, o Ministério Público Federal pede que seja aplicada multa diária de R$ 10 mil para União e Estado, respectivamente, sendo o valor revertido para o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.
Número da ação civil pública para acompanhamento processual: 0802271-83.2015.4.05.8200, ajuizada em 15 de junho de 2015 e distribuída para a 3ª Vara da Justiça Federal.