Após uma semana morna comprometida pelo feriadão, a Câmara dos Deputados volta a analisar a reforma política nesta quarta-feira, discutindo temas como o fim do voto obrigatório e a mudança na duração dos mandatos.
Por se tratarem de emendas à Constituição, qualquer decisão que seja tomada deverá passar por mais uma votação na Câmara e outras duas no Senado, tendo que contar com o apoio de 60% dos votos em cada uma para serem aprovadas. O segundo turno das votações na Câmara só poderá acontecer após um intervalo de cinco sessões depois da análise de todos os temas em primeira instância.
As discussões desta semana vêm após uma primeira fase de votações marcada por muita polêmica, mas pela aprovação de poucas mudanças relevantes no atual sistema.
Financiamento em xeque
O financiamento de partidos por empresas foi aprovado após votação polêmica, e 61 parlamentares do PT, PSB, PROS, PPS, PCdoB e PSOL tentam anular a sessão no STF.
Em 26 de maio, o plenário rejeitou a inclusão na Constituição da possibilidade de doações a partidos e candidatos por empresas, contrariando a expectativa de que fosse aprovada por ampla margem. No dia seguinte, Cunha pôs em votação proposta similar, não prevista para ser apreciada, sobre doações só para partidos, que foi aprovada.
O mandado de segurança enviado ao STF, que será avaliado pela ministra Rosa Weber, afirma que um tema já rejeitado não pode ser votado de novo no mesmo ano legislativo. Defensores da proposta aprovada dizem que ela não é idêntica à anterior, por excluir as doações a candidatos.
Outra ação em curso no STF, proposta pela OAB, questiona se doações por empresas a candidatos e partidos é constitucional. A maioria dos ministros já votou contra, mas o julgamento está há mais de um ano suspenso por um pedido de vista de Gilmar Mendes.
Virgilio Afonso, professor de Direito Constitucional da USP, nota que, caso a proposta aprovada pela Câmara seja ratificada numa segunda votação e aprovada no Senado, a doação a partidos passará a constar na Constituição por meio de emenda.
“Assim, a ação movida pela OAB deixa de fazer sentido, porque se julgava se isso seria compatível com a Constituição, que não tem norma explícita sobre o tema.”
Ele ressalta, porém, que “os ministros poderiam entender que a emenda fere cláusula pétrea” – sobre direitos fundamentais e que não podem ser alteradas. Mas, para que isso seja julgado, seria preciso mover nova ação, diz Afonso.
Nesta primeira fase, que ocorreu há duas semanas, os deputados rejeitaram mudar a forma como elegemos os representantes para o Congresso Nacional e para as câmaras legislativas dos Estados e municípios, assim como o fim das coligações nesses pleitos.
Entre os tópicos aprovados, está uma cláusula de barreira considerada modesta, limitando o acesso aos recursos do fundo partidários aos partidos com ao menos um deputado federal ou senador eleito – o que na prática só exclui quatro das 32 legendas existentes.
Em votação polêmica, os deputados também autorizaram as doações de empresas a partidos, que fariam a distribuição dos recursos aos candidatos. O resultado contrariou os que defendiam a total proibição de doações empresariais, como os parlamentares do PT.
A mudança mais importante aprovada na primeira fase foi o fim da reeleição, proposta que passou com larga vantagem de votos e tem apoio relevante também entre os senadores.
“A verdade é que essa minirreforma tem uma mudança expressiva que é o fim da reeleição. A tendência é que nenhuma outra mudança muito relevante passe, nem para bem nem para mal”, acredita o cientista político Jairo Nicolau, professor da UFRJ.
Mas as polêmicas devem voltar nesta semana, com os deputados sendo convocados a opinar sobre temas que afetam diretamente o eleitorado e os políticos. Entenda quais são os principais deles.
Voto facultativo
Tema pouco discutido na Comissão Especial de Reforma Política, a proposta de voto facultativo foi incluída na PEC na última hora pelo deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), que assumiu a função do relator Marcelo Castro (PMDB-PI) após divergências entre ele e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha.
Os que defendem a proposta argumentam que o voto facultativo é adotado na maioria dos países desenvolvidos e de tradição democrática. Dizem ainda que a possibilidade do eleitor escolher entre votar ou não melhora a qualidade da eleição, pois desestimula votos de pessoas com menos consciência política.
Já os contrários ao voto facultativo afirmam que a obrigatoriedade é importante para mobilizar mais a população em torno da política.
“O voto obrigatório gera um sentimento cívico nas pessoas. É uma tradição no Brasil”, afirma o cientista político Jairo Nicolau, professor da UFRJ.
Segundo ele, a experiência nos países desenvolvidos mostra que são os mais excluídos que deixam de participar.
“E isso tem um impacto nas políticas públicas. Qual interesse em uma política de ampliar a escola pública se os pobres não votam? Acho que teríamos um risco de aprofundar o distanciamento entre o sistema político e os mais pobres, o que seria ruim para a democracia brasileira”, argumentou.
Atualmente, o voto é permitido a partir dos 16 anos e obrigatório para quem tem entre 18 anos e 60 anos – dentro dessa faixa etária, quem deixar de votar precisa justificar a falta ou pagar uma pequena multa. Se não fizer isso, fica sujeito a penalidades: não pode se inscrever em concurso público; ser empossado em cargo público; obter passaporte; renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial; obter empréstimos em bancos oficiais; e participar de concorrência pública ou administrativa.
Nos países que adotam o voto facultativo, um dos maiores desafios dos candidatos é convencer o leitor a exercer seu direito. Em muitos países, o ceticismo com a política, tem provocado baixos índices de comparecimento às urnas.
Ampliação e coincidência dos mandatos
Após aprovar fim da reeleição, parlamentares terão de decidir se ampliam mandatosCom a aprovação do fim da reeleição na votação de primeiro turno, os deputados decidirão se querem ampliar os mandatos de presidente, governador, prefeito, deputados e vereadores para cinco anos e unificar as eleições municipais com os pleitos estaduais e presidencial.
As dificuldades de se atingir um consenso em torno dessas propostas adiou a votações desses temas para esta semana. O grande dilema envolve o mandato de senador – para que as eleições coincidissem seria preciso ou reduzir o atual mandato de oito anos para cinco ou ampliá-lo para dez. Esse impasse deve impedir que a proposta de alterar o tempo de mandato seja aprovada.
Ainda assim, os deputados podem optar por manter a duração atual dos mandatos e coincidir todas as eleições em intervalos de quatro anos idênticos. Hoje, os pleitos municiais e os pleitos estaduais e presidencial ocorrem a cada quatro anos, mas com intervalo de dois anos entre eles.
Essa proposta também enfrenta resistências. O presidente e o vice-presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, já deram declarações de que seria muito difícil para a Justiça Eleitoral realizar e fiscalizar todas as eleições e candidaturas num mesmo ano.
“Um outro argumento que se tem posto é que as lógicas que presidem uma e outra eleição, a eleição de governador e de Presidente da República, não é a mesma lógica que preside a eleição de prefeito e de vereadores. Portanto se recomenda, inclusive, essa separação. Mas essa é uma questão que terá que ser decidida pelo Congresso Nacional”, acrescentou Mendes, em evento na semana passada.
Cota para mulheres
Muheres são 10% dos parlamentares; proposta busca aumentar representatividade no CongressoEmbora sejam pouco mais de metade da população brasileira, as mulheres representam apenas cerca de 10% dos parlamentares do Congresso.
A legislação atual determina que 30% dos candidatos dos partidos aos cargos de vereador e deputado estadual e federal sejam mulheres. No entanto, muitas vezes são lançadas candidatas sem apoio real, apenas para cumprir essa exigência.
A bancada feminina do Congresso defende que parte das cadeiras da Câmara dos Deputados e das câmaras legislativas estaduais e municipais sejam reservadas para mulheres.
Elas começaram propondo 30% de reserva de cotas, mas diante da grande resistência dos parlamentares homens, que temem não conseguir se reeleger caso a mudança seja aprovada, tentarão aprovar um percentual menor.
“Se conseguirmos aprovar 15%, 20% de reserva das cadeiras já é uma vitória”, reconheceu a deputada Rosangela Gomes (PRB-RJ).
(El País)