Quando a situação do Governo de Dilma Rousseff parecia melhorar, com os protestos massivos acompanhados por gritos de impeachment já no retrovisor, surge um novo revés. O Tribunal de Contas da União se negou, nesta semana, a aprovar a prestação de contas referente a 2014, e deu à presidenta o prazo de 30 dias para responder sobre 13 supostas irregularidades encontradas nas contas. Além das chamadas pedaladas fiscais — como foram batizadas as manobras contábeis empregadas no primeiro mandato de Rousseff para fechar as contas da União—, a corte apontou ainda que o Governo não apenas deixou de fazer o contingenciamento das despesas, mesmo sabendo que a arrecadação seria menor do que a esperada, como liberou mais 10 bilhões de reais do Orçamento, algo considerado “obsceno” por ministros da corte. Estes três pontos, considerados ilegais, são os mais delicados para Dilma e o principal esforço de defesa do Governo, nas próximas semanas, será desvincular a presidenta da responsabilidade direta pelas operações para afastar riscos de que a oposição queira usar o tema para ressuscitar pedidos de impedimento.
“O que aconteceu [a decisão do TCU nesta quarta] é histórico”, afirmou ao EL PAÍS o ministro do TCU Augusto Nardes, relator do processo que avalia as contas federais de 2014. O tribunal, historicamente, acabava aprovando com ressalvas quando detectava irregularidades nas contas do Executivo. Formado por indicações do Executivo e Legislativo (dois terços), o papel do TCU é, em tese, controlar as contas públicas de maneira independente, mas a instância, que também existe nos níveis estadual e municipal, não está alheia a flutuações políticas. Nesta semana, por exemplo, enquanto Dilma Rousseff recebia o inédito pedido de explicações do TCU, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, foi poupado na avaliação da responsabilidade do Executivo estadual na crise hídrica.
“Não dá mais para passar a mão na cabeça do Governo”, diz o ministro Nardes, para quem a decisão de não aprovar as contas “é uma nova jurisprudência e um novo paradigma para o país”, que teria sido uma “resposta da corte às demandas da sociedade”. “O Estado brasileiro deixa de produzir os produtos que a sociedade espera, e as pessoas tomaram a rua pedindo transporte, saúde e segurança de qualidade”. “Por outro lado”, afirma, o TCU “evoluiu nos últimos anos”, e implantou uma visão de “especialização” do tribunal, que permitiu encontrar as irregularidades.
Nardes diz que, “devido às ilegalidades que vieram acontecendo [com o Governo violando a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de Diretrizes Orçamentárias], eu não poderia aprovar a prestação”. O ministro afirma ainda que, no ano passado, ele alertou Dilma para o fato de que alguns recursos não foram contabilizados: “Parte dos pontos foram esclarecidos, mas as pedaladas e o não-contingenciamento das despesas são muito gritantes”.
Um dos pontos levantados pelo relatório do TCU como pedaladafiscal, ou manobra irregular, foi a operação do Governo para aliviar momentaneamente as contas públicas o peso do pagamentos dos programas sociais. O Tesouro Nacional atrasou repasses para instituições responsáveis por despesas com benefícios sociais como o Bolsa Família. Neste caso, bancos públicos arcaram com os pagamentos, o que amenizou o impacto nas contas, mas aumentou a dívida com os órgãos financeiros. Na prática, é como se houvesse sido feito um empréstimo dos bancos públicos para o Governo, algo vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, criada para impedir que o Estado gaste mais do que arrecada. O TCU estima que cerca de 40 bilhões de reais estiveram envolvidos nestas manobras. Em sua defesa, o Governo diz que se tratou de um acordo operacional e que não trouxe prejuízos para os bancos públicos, em especial a Caixa.
Questionado se o contingenciamento dos gastos no ano passado poderia ter contribuído para evitar a crise econômica enfrentada pelo país este ano, o relator afirma que “estaríamos agora em condições de fazer uma melhor governança”, e o Governo conseguiria “prestar contas dos 13 fatores irregulares”. Segundo ele, “há falta de governança, sincronia entre Estados e municípios e dentro do próprio Governo, que está dividido em feudos, e não pensa no interesse coletivo”.
O caminho do processo
Todos as atenções estarão voltadas agora ao ofício que presidenta terá de entregar ao TCU para justificar as irregularidades apontadas. O que se desenha é uma solução na qual, integrantes da equipe economica, e não a mandatária, apareçam como responsáveis pelas operações. Então, a corte irá deliberar se aprova ou não a prestação.
O passo seguinte pode ser ainda mais delicado. O parecer será votado no Congresso — cada vez mais hostil à presidenta —, que pode optar por acatar o relatório do tribunal ou rejeitar as contas. Uma possível rejeição poderia abrir espaço para processos judiciais contra Dilma. Integrantes da oposição seguem sustentando que um eventual processo poderia embasar um pedido de impeachment da presidenta por improbidade administrativa. De novo, a questão cairia na debate jurídico-político do impeachment. Analistas e juristas dizem que fatos do mandato anterior, as contas analisadas pelo TCU serão as de 2014, do antigo mandato, não se serviriam para impugnar o atual período. Por outro lado, ainda se apura se as pedaladas aconteceram até fevereiro, no período de transição, o que poderia aparecer nas análise das contas no ano que vem.
(El País)