A terceira edição do Festival Internacional da Sanfona, que acontece até este sábado na beira no rio São Francisco, com atividades entre Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), tem um português do Alentejo que se apaixonou pelo modo de falar cantado e manso dos baianos. Tem também cerca de 30 jovens alunos de um projeto gratuito de música de São Raimundo Nonato (PI), com idades entre 9 e 40, que deram um jeito de arrumar um ônibus emprestado para percorrer os 300 quilômetros que os separavam da festa. E um ucraniano que, por não dominar o inglês (e muito menos o “baianês”), anda para cima e para baixo com um celular munido com aplicativo de tradução, mas não precisa de nada disso para se comunicar quando começa a tocar o hino brasileiro, cercado de olhinhos curiosos da meninada.
Essa mistura de tipos vem dando liga desde terça-feira, quando o evento começou com shows e workshops, que atraíram cerca de 200 instrumentistas e outras centenas de entusiastas para Juazeiro, onde acontece boa parte da programação do evento. A abertura reuniu no palco do Centro Cultural João Gilberto o idealizador do festival, Targino Gondim — sanfoneiro de mão cheia da região que estourou nacionalmente com “Esperando na janela”, cantada por Gilberto Gil em 2000 —, além do Quinteto Sanfônico, de um menino prodígio de 10 anos, Vynicius Amorim — pupilo de mestre Camarão, homenageado da festa que morreu em abril —, e Nathanael Sousa, o português que se encantou com o sotaque nordestino.
O ucraniano Alexander Hrustevich é um dos nomes que encerram o festival na noite deste sábado, num palco montado ao lado da ponte que separa Juazeiro de Petrolina, ao lado de nomes consagrados como Oswaldinho do Acordeom, Elba Ramalho e uma infinidade de sanfoneiros. Targino garante que todo mundo que estiver com um fole na mão será convidado a participar.
— Não tive acesso a esse tipo de coisa quando comecei. Sempre quis dar oportunidade para o pessoal interagir com outras formas de tocar, outros repertórios — conta Targino, lembrando que tanto os shows quanto as oficinas organizadas por ele e Celso Carvalho, sócio na empreitada, são gratuitos.
CONCURSO MOBILIZOU O PÚBLICO
O evento voltou em 2015 após um recesso involuntário de quatro anos. As duas primeiras edições aconteceram em 2009 e 2010, mas, em seguida, as fontes de patrocínio secaram. A situação se reverteu neste ano graças a um edital de festivais do BNDES, que permitiu o uso de uma verba de pouco mais de R$ 1 milhão. O resto vem em forma de parceria. A prefeitura de Juazeiro, por exemplo, cedeu a estrutura do palco construído na margem do rio para comemorar os 137 anos da cidade e pagou o cachê de Elba. A marca de sanfonas Leticce, de Campina Grande (PB), doou um instrumento novo de 120 baixos, que vale R$ 21 mil, para ser o prêmio do concurso que foi um dos maiores acertos do festival.
A disputa mobilizou músicos de vários estados, que se inscreveram mandando vídeos pela internet. Dos dez selecionados, quatro foram escolhidos em semifinais realizadas antes dos shows por um júri formado pelo produtor musical José Milton, os acordeonistas brasileiros Gennaro e Chico Chagas e o português Joã Frade. Na final, realizada nesta sexta com testemunho de uma plateia lotada, o cearense Nonato Lima bateu concorrentes do Piauí, do Recife e de Salvador.
Em seguida, os shows mostraram o quanto do mundo a sanfona pode abraçar. Wanderley do Nordeste levou um repertório que honrou seu nome artístico. O Quinteto Persch, representante da forte cena gaúcha, tocou de Radamés Gnattali a Piazzolla. O acreano Chico Chagas foi do conterrâneo João Donato a Mozart, passando pelos Beatles, tudo na levada do xote.
— Quando morei na Inglaterra e na Alemanha, não conseguia criar a empatia a que estava acostumado quando começava a introdução de uma “Asa branca” da vida. Um dia, de brincadeira, levei um Mozart em ritmo de forró e o povo começou a dançar. Aí me sugeriram botar o Gonzaga na sala de concerto e o Chopin numa sala de reboco — contou Chagas, fazendo referência à canção de Luiz Gonzaga e José Marcolino e lembrando que a brincadeira virou até disco. (O Globo)