Doleiros como Alberto Youssef e Nelma Kodama, protagonistas da Operação Lava Jato, se beneficiaram de uma medida provisória convertida pelo Congresso na Lei n.º 11.371, de 2006, para enviar milhões de dólares ao exterior por meio de importações fraudulentas, sem controle dos órgãos públicos.
A norma foi aprovada para desburocratizar a política cambial e facilitar as operações de comércio exterior, mas, como efeito colateral, abriu uma janela de oportunidade para esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro.
Pela regra anterior, ao fazer uma importação, o empresário encomendava o produto e apresentava documentação detalhada à Receita Federal para recolher os impostos devidos.
Para pagar a encomenda ao fornecedor estrangeiro, era necessário um contrato de câmbio, cujas informações eram, por lei, informadas ao Banco Central.
Um link entre os sistemas dos dois órgãos permitia checar se o pagamento correspondia à entrada de mercadoria no País e se a quantidade de produtos batia com o valor da operação.
Ao simplificar o processo, não há mais a troca de informações que permite a conferência dos dados.
Na visão de investigadores, isso favoreceu a lavagem de dinheiro por meio da simulação de importações e exportações. “Isso permitiu que eles (doleiros) fizessem importações a rodo: milhões e milhões, sem jamais entrar mercadoria e sair o dinheiro”, constata o procurador da Lava Jato Deltan Martinazzo Dallagnol, citando as operações de Youssef. “Hoje é muito mais fácil simular contratos de compra e venda para o exterior, porque não há mais a checagem”, critica o delegado da PF Luís Flávio Zampronha, especializado na investigação de crimes financeiros que atuou no inquérito do mensalão.
O Banco Central argumenta que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), criado em 1998, faz o controle das operações de forma mais efetiva. Cabe ao órgão informar operações suspeitas de comércio exterior aos órgãos de investigação.
Relatórios de inteligência financeira são produzidos com base em alertas de movimentações atípicas recebidos de corretoras e bancos.
Graças à brecha no sistema, segundo investigadores, Youssef e um de seus parceiros, Leonardo Meirelles, usaram as empresas Labogen Química e Indústria de Medicamentos Labogen para fazer 1.900 importações fictícias. Com isso, remeteram US$ 113 milhões para contas em Hong Kong.
Propinas
Deltan explica que o esquema da Labogen envolvia sofisticado cruzamento, que consistia em embaralhar recursos de fornecedoras da Petrobras com os de comerciantes da Rua 25 de Março, em São Paulo.
Meirelles recebia dinheiro em espécie dos lojistas e repassava a Youssef, que usava o montante para o pagamento de propinas e outras negociatas do esquema da estatal.
Já os repasses de empreiteiras para empresas de Youssef eram enviados por via bancária ao exterior e bancavam as importações da 25 de Março, que eram subfaturadas para não recolher impostos. “Essa é a mágica da Lava Jato. Você tem duas coisas simultâneas acontecendo. Por isso que o follow the money (siga o dinheiro) não funciona (na investigação), porque o dinheiro não tem nome”, diz o procurador.
Em depoimento à CPI da Petrobras, a doleira Nelma Kodama, condenada e presa por operar no mercado clandestino de câmbio e fazer importações fraudulentas, afirmou ter se beneficiado da falta de controle das instituições do mercado financeiro. “Toda essa corrupção, tudo isso que está acontecendo das empreiteiras, da Petrobras, tudo isso tem a participação do Banco Central, das instituições financeiras”, acusou.
Em nota, o Banco Central informou que a lei deixou mais eficiente as operações de comércio exterior e que a legislação brasileira “atende a todas as recomendações internacionais” a respeito de lavagem de dinheiro. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.