A proposta de reforma política em análise na Câmara dos Deputados foi fortemente criticada por integrantes de pequenos partidos de esquerda e também pelo representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, membro da comissão da entidade que analisa a proposição. O tema foi discutido em audiência pública, nesta segunda-feira (6), na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado.
A Câmara dos Deputados já aprovou, em primeiro turno, a proposta de emenda à Constituição (PEC 182/2007) que promove a reforma política. O texto poderá ser votado em segundo turno nesta semana.
O presidente da CDH, senador Paulo Paim (PT-RS), também criticou a proposta e anunciou, no encerramento do debate, que a comissão vai aderir à campanha “Por uma reforma política sem exclusão”. Esse movimento é contrário a pontos que estão sendo aprovados na reforma política em análise pela Câmara dos Deputados. Entre eles, o que exclui os partidos sem representação no Congresso Nacional da propaganda em TV e rádio e proíbe o acesso dessas legendas ao Fundo Partidário.
— Porque só os grandes partidos devem ter acesso ao Fundo? Esse e outros pontos do que está vindo da Câmara me preocupam muito, e podem até ser classificados como antidemocráticos — afirmou Paim.
O senador informou que irá solicitar ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), a discussão da reforma política em Comissão Geral no Plenário, contando com a participação de partidos como o PSTU, PCO e PCB, dentre outros.
‘Calar a esquerda’
Para Cezar Britto, por enquanto, a consequência prática da proposta em análise pela Câmara será “extinguir a possibilidade de crescimento de uma nova esquerda no país”.
— A esquerda vem crescendo em países como a Grécia, a Espanha, como uma resposta à direita representada por governos como o de James Cameron na Inglaterra — observou ele, que também foi presidente do Conselho Federal da OAB.
O representante da OAB citou como os pontos mais preocupantes da reforma a proibição de acesso ao horário eleitoral e à propaganda em TV e rádio, assim como a exclusão do acesso ao Fundo Partidário.
— A atual legislação já é restritiva nesses aspectos para os pequenos partidos ideológicos. Mas agora querem transformar o restritivo em “extinguivo” — disse.
Britto também mencionou como “extremamente preocupante” a proposta de diminuição do tempo das campanhas eleitorais e cláusulas de barreira ligadas a critérios geográficos, num país continental como o Brasil.
— Me preocupa muito o estímulo a uma sociedade calada.
Para o representante da OAB, se o objetivo é diminuir o campo de atuação das chamadas “legendas de aluguel”, basta vedar a cessão do tempo de TV e de rádio nas coligações, proposta defendida pela entidade.
Em sua avaliação, a reforma política faz parte de uma “ofensiva da direita”, representada também por propostas como a ampliação da terceirização, a rediscussão do conceito de “trabalho escravo” e o combate a mais direitos para grupos como o dos homossexuais. Ele ainda criticou a constitucionalização do financiamento privado das campanhas.
— Empresa não é povo, ela não vota. Ela não financia candidatos por preferência, ela faz um investimento que custa muito caro para a sociedade depois — alertou.
Ele também considerou uma “ironia” o fato de sindicatos e associações sem fins lucrativos continuarem proibidos de financiar candidatos, enquanto a possibilidade continuaria aberta para as grandes empresas.
O representante da OAB defendeu a análise pelo Congresso da proposta apresentada pela entidade, pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e por outras associações (“mais de 100”, segundo ele), que estabelece cotas para a representação feminina nas Casas Legislativas (de 50%). O projeto também aumenta o Fundo Partidário para os partidos que tenham mais negros e trabalhadores eleitos; limita a R$ 700 o valor que um cidadão pode doar para ajudar o candidato de sua preferência; estabelece o voto em lista nos pleitos proporcionais e prevê a realização de mais plebiscitos e referendos nas definições sobre as políticas públicas.
Pequenos partidos de esquerda
Os representantes dos partidos presentes à audiência questionaram principalmente a constitucionalização do financiamento privado das campanhas, no mesmo momento em que já se manifestava no Supremo Tribunal Federal (STF) uma maioria contrária à prática, além do cerceamento à atuação dessas legendas.
Para José Maria de Almeida, conhecido como “Zé Maria”, e que foi candidato à Presidência da República pelo PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado) em quatro ocasiões, a reforma é uma resposta das “forças conservadoras” à resistência que já estaria aparecendo na juventude e em movimentos trabalhistas. Ele criticou também o governo pela aprovação recente das medidas do ajuste fiscal, pela política restritiva em relação ao serviço público e por cortes nos investimentos da Petrobras. Também fez críticas à Câmara pela aprovação do projeto que liberou a terceirização para as atividades-fim das empresas, agora em análise no Senado.
— Em momento de desemprego, vem a Câmara com uma reforma que restringe quem resiste ao conservadorismo e que libera o financiamento para quem financia a corrupção — disse, fazendo referência às investigações da Operação Lava Jato, da Polícia Federal, sobre corrupção envolvendo a Petrobras.
Antonio Carlos Silva, da Executiva Nacional do PCO (Partido da Causa Operária), também lamentou o conteúdo da reforma. Ele conclamou os pequenos partidos a se unirem e chamou para a mobilização os representantes do PT e do PSOL que sejam contrários à proposta. Para ele, essa reforma faz parte de “uma ampla articulação da direita golpista e reacionária”.
— Os primeiros alvos somos nós, mas os outros partidos também devem ficar atentos — disse, citando como exemplo a manifestação do congresso do PSDB, neste final de semana, defendendo a interrupção do mandato da presidente da República, Dilma Rousseff.
O presidente do PCB (Partido Comunista Brasileiro), Mauro Iasi, afirmou que a reforma aprofunda um modelo político que estaria “fracassado”, cujo retrato, em sua opinião, teria ficado claro durante as manifestações de junho de 2013.
— É uma reforma cosmética que não enfrenta os problemas graves da política, que são ligados ao financiamento das campanhas. Estamos assistindo ao fracasso do modelo criado após a ditadura e com a Constituição de 88.
Luiz Araújo, representando o PSOL, citou a manifestação do deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ), para quem a reforma “altera alguns pontos para na verdade não mudar nada”.
— A reforma está legalizando o que o STF estava próximo de proibir — disse.
Para o ex-deputado federal Ciro Gadelha, do PSTU, a proposta analisada pela Câmara é “um escárnio”.
— As legendas de aluguel vão continuar. Só os partidos ideológicos vão ser calados.
E Amanda Gurgel, vereadora pelo PSTU em Natal (RN), também defendeu a continuidade do acesso à TV e ao rádio para os pequenos partidos.
— Deixem a gente falar e depois deixem a população decidir se querem votar na gente ou não — disse.
Agência Senado