Representantes da sociedade civil, deputados e profissionais da área jurídica divergiram nesta sexta-feira (21) sobre o conceito de núcleo familiar proposto no Estatuto da Família (PL 6583/13).
Eles participaram de audiência pública na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul promovida pela comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa o projeto.
Para o presidente do Fórum Nacional de Políticas Públicas Voltadas para a População LGBT, Leonardo Bastos Ferreira, a definição de núcleo familiar presente na medida – união entre homem e mulher – não faz sentido. Ele acredita que a capacidade de cuidar do outro, tendo ou não laços consanguíneos, é o que melhor define a família contemporânea. “Não queremos um mundo colorido, e sim democrático”, sustentou, informando que 10% da população se autodefine LGBT.
O projeto de lei discutido na Câmara estabelece diretrizes de políticas públicas voltadas para a entidade familiar, definida como o núcleo formado a partir da união entre homem e mulher, por meio de casamento, união estável ou comunidade formada pelos pais e seus descendentes.
Políticas públicas
O juiz da 3ª Vara Federal de Campo Grande (MS) Odilon de Oliveira falou em defesa do estatuto. Ele afirmou que atualmente as famílias estão “fracassadas” em razão do aumento do consumo de drogas. O juíz argumentou que o País não está preparado para enfrentar esse problema de saúde pública. “Temos no País 235 mil crianças viciadas em crack, e apenas 2 mil leitos preparados para recebê-las.”
Nesse ponto, o ativista Bastos Ferreira defendeu políticas públicas com igualdade de gênero: “Qualquer iniciativa que vise combater a violência deve incluir os homossexuais”, ressaltou ao admitir ter estranhado o convite para participar do debate, “mas entendo que o princípio da democracia é esse”.
Gravidez
Para a professora e ginecologista pela UFRJ Tatiana Serra da Cruz, a proposta do Estatuto da Família deve conter políticas públicas de prevenção à gravidez na adolescência, e não se restringir apenas ao pré-natal.
Ela relatou que muitos pais ainda evitam dialogar com os filhos sobre sexo, com receio de estimular-lhes a sexualidade. “Isso não incentiva a precocidade sexual, na verdade o efeito é inverso. Quanto mais informada a adolescente, mais tardia sua iniciação sexual”, ponderou.
Casamento civil homossexual
O promotor de Justiça da 27ª Vara da Infância e da Adolescência de Campo Grande Sérgio Harfouche se posicionou contrário à resolução do Supremo Tribunal Federal (STF) – que proíbe cartórios de recusarem a habilitar ou celebrar casamento civil ou, até mesmo, de converter união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo. “É preciso ter pais, femininos e masculinos, para a criança ter educação equilibrada”, ressaltou.
Harfouche acrescentou: “não entendo como gerar normalidade na mente de uma criança quando ela tem dois homens como pai e mãe, duas mulheres como pai e mãe. Daí, eu tive que subverter o registro público para dizer que não é pai e nem mãe, é filiação. Daí vai ter de acabar com o dia dos pais e das mães para não gerar constrangimento com aqueles que não seguem esse modelo”.
O defensor público do Mato Grosso do Sul (MS) Guilherme Cambraia de Oliveira discordou desses argumentos. Na opinião do defensor, o STF decidiu com base nos princípios da igualdade e da dignidade e, sobretudo, de respeito à intimidade. “É questionável o Estado querer se impor com base em escolhas sexuais”, disse. “A proposta de estatuto é inconstitucional por vedar o reconhecimento de outros tipos de família. Da forma como foi proposto, o estatuto vai aniquilar diversas formas familiares – que vão ficar a margem da lei”, concluiu.
Ele sugeriu nova interpretação para o conceito de núcleo familiar: composta por duas ou mais pessoas, unidas por laços sanguíneos ou não, originada do casamento, união estável ou da afinidade.
O presidente da comissão, deputado Sóstenes Cavalcante (PSD-RJ), e o coordenador regional do estatuto, deputado Elizeu Dionizio (SD-MS), que solicitou o debate, avaliaram a audiência de forma positiva. “Inicialmente (o Estatuto da Família) provocou desconforto por ser interpretado como ofensivo às demais formas de composição familiar”, disse. No entanto, argumentou Sóstenes Cavalcante, o debate sobre a proposta vem sendo feito “sem nenhuma tinta de preconceito contra ninguém.”
Relatório
Sóstenes Cavalcante acrescentou que o colegiado vai ouvir todos os pontos de vistas para apresentar proposta democrática. “Por mais diferenças que tenhamos do projeto, vamos concordar que uma sociedade não sobrevive sem a valorização da família, é nesse espírito que estamos rodando todo o País para ouvirmos representantes da sociedade de maneira democrática, contrários e a favor, para que nós possamos aprovar ainda neste ano um conjunto de políticas.”