Em resposta à libertação de 11 trabalhadores encontrados em condições análogas à escravidão nas obras da Vila dos Atletas, no Rio de Janeiro, o prefeito Eduardo Paes (PMDB) disse em entrevista exclusiva à BBC Brasil que espera que a empresa seja punida e que as fiscalizações das obras olímpicas sejam intensificadas.
Para o prefeito, a resposta às denúncias dos trabalhadores foi acertada e não prejudica a imagem do Rio, atualmente sob os holofotes internacionais na reta final dos preparativos para os Jogos Olímpicos.
“O Ministério Público do Trabalho fez muito bem e espero que puna essa empresa. Não acho que danifique a imagem do Rio. Pelo contrário, mostra que há fiscalização, que não se admite mais esse tipo de coisa. Mostra um lado positivo do Brasil. Pior seria se tivesse alguém com trabalho escravo e ninguém denunciasse, não fiscalizasse e não punisse”, disse.
Questionado sobre o que a prefeitura poderia fazer para impedir que a exploração de trabalho escravo ocorra nas obras olímpicas, Paes disse que deve apoiar a intensificação das fiscalizações.
“Vamos apoiar todo esforço de fiscalização possível. Seja do Ministério Público do Trabalho ou do Ministério do Trabalho e Emprego. Já fiscalizaram o Parque Olímpico diversas vezes, e eles têm que continuar fazendo isso. Vamos colaborar com eles, sempre”, indicou.
Embora a operação do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro (MPT-RJ) na Vila dos Atletas – obra tocada pelas empreiteiras Odebrecht e Carvalho Hosken por meio do Consórcio Ilha Pura – tenha ocorrido no fim de julho, a notícia só veio à tona na última sexta-feira.
O esquema, segundo o órgão, incluía o aliciamento de trabalhadores em outros Estados, com promessas de ressarcimento das passagens, alojamento, salários e direitos trabalhistas, o que na prática não acontecia.
Após denúncias dos próprios trabalhadores, uma ação de fiscalização do MPT-RJ verificou que um grupo de 11 deles não havia recebido o pagamento de suas passagens, nem as horas extras além da jornada de oito horas diárias.
Além disso, os salários estavam atrasados e as condições de alojamento eram degradantes, em pequenas quitinetes numa favela. Alguns relataram dormir do lado de fora das casas, tamanha a sujeira.
“As condições eram terríveis. Dormiam em colchões horríveis, desumanos. Havia ratos por todo lado, e baratas até dentro da geladeira. O quarto tinha um ralo aberto com cheiro de esgoto. Eles estavam sendo tratados como animais mesmo”, diz Guadalupe Turos Couto, procuradora do MPT-RJ que dará prosseguimento à investigação.
Ações judiciais e inquérito
Segundo a procuradora, os trabalhadores resolveram procurar o Ministério Público quando além de todas as violações trabalhistas a empresa Brasil Global Serviços, que contratava os operários de forma terceirizada, anunciou que não pagaria mais pelo alojamento.
“Levando em conta as condições degradantes do alojamento e que houve uma alteração unilateral do contrato, quando a empresa resolveu não mais pagar os aluguéis, estão presentes os elementos caracterizadores da existência de trabalhadores em condições análogas a de escravo”, diz Valéria Correa, procuradora que recebeu a denúncia inicialmente.
Com a ação do MPT-RJ, a Brasil Global Serviços teve que pagar R$ 70 mil em verbas rescisórias, que incluíram férias, 13º salário e FGTS, além de ressarcir as passagens de vinda para o Rio e custear as de volta para o Maranhão, Paraíba, Bahia e Espírito Santo, de onde os 11 trabalhadores saíram meses atrás em busca de emprego.
A Brasil Global Serviços fornece mão de obra para o Consórcio Ilha Pura, que constrói a Vila dos Atletas, onde competidores e comissões técnicas se hospedarão durante os Jogos. Formado pelas empreiteiras Odebrecht e Carvalho Hosken, o consórcio se pronunciou conjuntamente, mas o MPT-RJ diz que ainda não está claro se os trabalhadores atuavam para as duas empresas ou apenas para a Odebrecht.
“O próximo passo é prosseguir com o inquérito para apurar a cadeia produtiva. Vamos entrar com duas ações de danos morais contra a Brasil Global Serviços e as empreiteiras podem vir a responder por responsabilidade solidária”, disse a procuradora Guadalupe Turos Couto.
“É lamentável. Trata-se de um grande evento, com pessoas do mundo inteiro comprando ingressos, e explora-se o trabalhador deste jeito, visando a vantagem e o enriquecimento ilícito através da exploração da mão de obra. Os bastidores dessas obras mostram condições degradantes”, complementa.
Outro lado
Em resposta às revelações, o Comitê Rio 2016 disse à imprensa local que não tem qualquer participação na construção do empreendimento, que será alugado para hospedar os mais de 17 mil atletas olímpicos e paraolímpicos no ano que vem, e que as responsabilidades trabalhistas são inteiramente do Consórcio Ilha Pura.
A Empresa Olímpica Municipal (EOM), responsável por grande parte das obras na cidade, ressaltou que a Vila dos Atletas é um empreendimento 100% privado.
Em nota enviada à BBC Brasil, as empreiteiras Odebrecht e Carvalho Hosken, que formam o Consórcio Ilha Pura, afirmou seguir procedimentos rigorosos em questões trabalhistas.
“A Ilha Pura ressalta que mantém procedimentos rigorosos em quaisquer de suas relações trabalhistas, assegurando o atendimento às leis vigentes inclusive no que se refere às condições de trabalho de profissionais contratados por prestadoras de serviço que atuam no empreendimento”, diz a nota, acrescentando que o consórcio colabora com as autoridades.
Em declarações à imprensa local, o advogado da Brasil Global Serviços, Rômulo de Oliveira Nascimento, rejeitou as acusações do MPT-RJ. De acordo com ele, não houve a busca por operários em outros Estados e a empresa não seria responsável pela hospedagem dos trabalhadores.
“Houve um ato arbitrário do Ministério Público (do Trabalho). Vamos rebater todas as alegações. As provas foram descaracterizadas. E não é política da empresa trazer trabalhadores de outros Estados. Na ficha cadastral dos funcionários, há informações de endereços do Rio de Janeiro”, disse.