O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), em negociações com o Palácio do Planalto, condicionou o indeferimento do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff apresentado pela oposição à realização de uma operação de salvamento do seu mandato pelo governo, conforme o Correio antecipou na segunda-feira (12/10).
Cunha pretende utilizar o poder monocrático de decidir sobre o impedimento da presidente da República para barganhar apoio no Conselho de Ética da Câmara, que vai examinar o pedido de cassação do mandato por quebra de decoro parlamentar impetrado pelo PSol e pela Rede, com a subscrição de mais de 50 deputados.
O presidente da Câmara joga com o poder de barganha que adquiriu com as liminares dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki e Rosa Weber a favor de mandados de segurança impetrados por deputados do PT. Ao sustarem o rito regimental proposto para apreciação em plenário de suas decisões, deram a Cunha o poder monocrático de acolher ou rejeitar os pedidos de impeachment. Agora, o parlamentar negocia a própria blindagem no Conselho de Ética com o governo e a oposição.
“Não tenho trégua porque não tem guerra. Não há nem guerra, nem trégua. O que há é que eu tenho que cumprir a minha função obrigatória de dar curso ao que é a minha obrigação funcional no momento. Se isso é o fato de você ter que tomar decisões e essas decisões podem significar guerra para uns e trégua para outros, é uma questão de interpretação”, disse ontem.
Desde a sexta-feira (9/10), o ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, vem mantendo negociações de bastidores com o presidente da Câmara, com quem o Palácio do Planalto busca um acordo para sepultar de vez a ameaça do impeachment. Cunha negaceia. Está convencido de que os vazamentos de informações sobre as investigações realizadas pelo Ministério Público sobre ele partiram do governo.
Lava-Jato
Para Cunha, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, trabalham juntos para a cassação de seu mandato. Deputados petistas, na terça-feira (13/10), ameaçaram pedir a prisão dele caso deferisse o pedido de impeachment apresentado pelo ex-deputado Hélio Bicudo, fundador do PT, e o jurista Miguel Reale Júnior. Nas conversas com Wagner, Cunha teria exigido a substituição do ministro, que nunca contou com a simpatia do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e tem muitos desafetos no PT por causa dos rumos da Operação Lava-Jato.
O presidente do Conselho de Ética da Casa, deputado José Carlos Araujo (PSD-BA), anunciou ontem que o presidente da Casa não terá tratamento diferenciado (leia mais na página 4). Araújo pretende iniciar a apreciação da representação contra Cunha em 27 de novembro. Até lá, Cunha tenta construir sua blindagem. O conselho tem 21 integrantes, sendo 9 do bloco comandado pelo PMDB de Cunha. O bloco liderado pelo PT tem 7 deputados. Juntos, os dois blocos terão ampla maioria: 16 votos para barrar a cassação. O regimento da Câmara também prevê punições brandas por quebra de decoro, como a simples advertência verbal. Cunha é acusado de mentir na CPI da Petrobras, onde negou ter contas bancárias na Suíça.
O acordo do Palácio do Planalto com Cunha, no entanto, não é tão simples assim. Primeiro, já passam de 30 os deputados petistas que subscreveram o pedido de cassação, embora nenhum deles integre o Conselho de Ética. Segundo, os vazamentos sobre o inquérito da Lava-Jato não estão sob controle do Palácio do Planalto. Terceiro, José Eduardo Cardozo é principal interlocutor de Dilma Rousseff junto a Rodrigo Janot.
Ontem, Cunha almoçou com o vice-presidente Michel Temer e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Tiveram uma conversa franca sobre o atual momento político e o pedido de abertura de processo de impeachment pela oposição. Na ocasião, Cunha disse que pode aguardar uma definição final do Supremo, mas se não for bem tratado pelo governo, pode antecipar sua decisão, a favor do impeachment.
Liminares
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), acredita que as liminares concedidas pelos ministros Teori Zavascki e Rosa Weber suspendendo a tramitação dos processos de impeachment contra a presidente não são sinal de interferência do poder Judiciário no Legislativo.
“A última trincheira da cidadania é o Judiciário, é o Supremo. E a partir do momento em que constataram os colegas que haveria um atropelo das normas instrumentais do próprio processo de impeachment, eles atuaram. A presunção é de que atuaram corretamente”, afirmou a jornalistas na tarde de ontem.
Segundo o ministro, o estabelecimento de um novo rito de impeachment não é uma atribuição do STF. “O Supremo não estabelece rito, ele apenas verifica se está em harmonia ou não o procedimento com o direito estabelecido, e há uma lei a ser observada, que é a Lei nº 1.079”, esclareceu. A Lei nº 1.079, de 1950, diz respeito aos crimes de responsabilidade e estabelece a perda do cargo para o exercício de qualquer função pública caso comprovadas as denúncias.
“Eu creio que o problema não está na formação da comissão (e análise de pedidos de impeachment). Houve algo mais, por isso que eles atuaram”, emendou Marco Aurélio Mello.
“Não tenho trégua porque não tem guerra. O que há é que eu tenho que cumprir a minha função obrigatória de dar curso ao que é a minha obrigação funcional no momento”
Eduardo Cunha, presidente da Câmara
“Eu creio que o problema não está na formação da comissão (e análise de pedidos de impeachment). Houve algo mais, por isso que eles (Zavascki e Rosa) atuaram”
Marco Aurélio Mello, ministro do Supremo