O Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou, por unanimidade, um parecer pela rejeição das contas de 2014 da presidente Dilma Rousseff. Os oito ministros titulares presentes em plenário entenderam haver irregularidades nos gastos e decidiram encaminhar ao Congresso Nacional a sugestão de reprovação das contas de Dilma. A última vez que isso ocorreu foi em 1937, no governo de Getúlio Vargas. A palavra final sobre as contas é do Congresso.
O ministro Augusto Nardes votou pela rejeição das contas. O relator citou, em seu parecer prévio, a existência de distorções de R$ 106 bilhões na execução orçamentária do ano passado, sendo R$ 40 bilhões referentes às “pedaladas fiscais”, e o restante relacionado a gastos e créditos orçamentários suplementares sem autorização do Congresso Nacional.
Nardes concordou integralmente com o relatório técnico que subsidiou seu voto. Neste texto, 14 auditores elencaram 12 indícios de irregularidades, dos 15 indícios apresentados inicialmente. O entendimento foi que as duas defesas apresentadas pela presidente Dilma Rousseff não elidiram as irregularidades, o que acabou mantido no parecer prévio do relator submetido à votação em plenário.
— A situação fiscal é incompatível com a realidade. Comprometeu a gestão fiscal, feriu diversos dispositivos constitucionais e legais, especialmente a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) — disse Nardes, sugerindo ao Congresso Nacional um parecer pela rejeição das contas.
O trâmite da análise das contas do governo no Congresso Nacional não é rápido. O parecer do TCU deve ser encaminhado à Comissão Mista de Orçamento que, regimentalmente, tem 82 dias para a análise. Se o texto chegar, por exemplo, sexta-feira, a comissão terá até 29 de dezembro, quando o Congresso já estará em recesso. Isso sem contar que as sessões na Comissão de Orçamento podem ser adiadas por falta de quórum. Depois de passar pela comissão, o presidente do Senado, Renan Calheiros, não tem prazo para colocar o tema na pauta do plenário.
ADAMS: DECISÃO NÃO PODE SER USADA ‘ARTIFICIOSAMENTE’
No início do julgamento, o advogado-geral da União Luís Inácio Adams fez a defesa do governo. Ele afirmou que a decisão do TCU sobre as contas de Dilma não pode ser usada “artificiosamente” para embasar o processo de cassação de mandato.
— Eu acredito que o TCU tomará sua decisão, o que não pode é artificiosamente tentar se transformar isso em processo de cassação de mandato presidencial — disse o advogado-geral em sua sustentação oral.
A declaração de Adams foi recebida com um muxoxo de deboche por pessoas que acompanhavam o julgamento. Parlamentares da oposição ocupavam a primeira fila do plenário, logo atrás de Adams. O advogado-geral da União criticou também a suposta politização do processo e defendeu a legalidade das contas, inclusive das chamadas “pedaladas fiscais”. Segundo ele, não houve violação da Lei de Responsabilidade Fiscal nem da lei orçamentária.
— Esse tema adquiriu infelizmente um contorno excessivamente politico. Esse é um debate profundamente técnico. Essa mistura, essa confusão, algumas não intencionais e muitas intencionais acabam prejudicando a apuração do resultado.
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TCU REJEITOU PROCESSO CONTRA NARDES
Antes do julgamento, o colegiado concordou com a proposta de arquivamento do pedido de processo disciplinar que investigaria a conduta do relator Augusto Nardes. Depois, rejeitou a arguição de suspeição do ministro. Os dois casos foram relatados pelo ministro Raimundo Carreiro. Os pedidos foram apresentados por Luís Inácio Adams, que acusou Nardes de ter agido de forma parcial no processo e de ter antecipado voto pela rejeição das contas da presidente.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux indeferiu pedido de liminar impetrado por Adams para adiar a votação, o que garantiu a realização da sessão no TCU. Mantido o relator, o julgamento foi iniciado.
Raimundo Carreiro leu longos votos, criticando a atitude do advogado-geral da União e defendendo o colega de tribunal. O ministro, em seu voto, indeferiu os pedidos de produção de provas e instrução de um processo disciplinar feitos pela Advocacia Geral da União (AGU), o que foi aceito pelo plenário.
Ele criticou a “peculiar criatividade processual” da AGU, “não amparadas nas normas em vigor”. Nardes não acompanhou e não participou dessa votação.
— Nada nas declarações (do relator) revela alguma novidade ou adiantamento de juízo de valor. A AGU cita que o ministro Nardes recebeu em seu gabinete um grupo pró-impeachment da presidente. A consulta à agenda de Nardes, e tanto ele quanto os demais ministros, recebem parlamentares independentemente de alinhamento político desses parlamentares. Eu mesmo recebi ministros do governo presidente — disse Carreiro.
Ele lembrou que o parecer pela aprovação ou rejeição das contas presidenciais não equivale a um julgamento, mas apenas a uma recomendação ao Congresso Nacional. Cabe ao Congresso uma palavra final sobre aprovar ou rejeitar as contas.
Ao manifestar seu voto no processo administrativo, o ministro-substituto André Luis de Carvalho fez duras críticas à coletiva de imprensa convocada, no último domingo, pelos ministros José Eduardo Cardozo (Justiça), Nelson Barbosa (Planejamento) e pelo advogado-geral da União Luís Inácio Adams para questionar a isenção do ministro Augusto Nardes para relatar as contas de 2014 da presidente Dilma Rousseff.
— Não me causou suspeição a arguição (de suspeição) por ser legítimo, causou indignação pela maneira como isso foi feito. Jamais vi três ministros de Estado convocarem coletiva de imprensa em um domingo atacando um ministro do TCU. Essa coletiva é minimamente estranha — disse o ministro Carvalho, que foi aplaudido pela plateia.
Ele citou ainda artigo do Código de Conduta da Alta Administração Federal segundo o qual é vedado à autoridade pública opinar publicamente a respeito da honorabilidade e do desempenho funcional de outra autoridade pública federal.
PARECER DO MP JUNTO AO TCU FALA EM REJEIÇÃO DAS CONTAS
No começo do julgamento das contas, o Ministério Público, junto ao TCU, emitiu parecer em que aponta uma “piora significativa do quadro fiscal do governo”. O procurador-geral Paulo Soares Bugarin afirmou que o governo não respeitou princípios constitucionais. A fala foi no sentido de uma rejeição das contas. O procurador-geral apenas opina, antes da defesa feita pelo advogado-geral da União, Luís Inácio Adams; da leitura do voto do relator, ministro Augusto Nardes; e da votação dos ministros presentes em plenário.
— O MP manifesta-se por que este tribunal aprove parecer prévio, no sentido de que as contas do governo referentes ao exercício de 2014 não representam as posições financeira, orçamentária, contábil e patrimonial em 31 de dezembro de 2014, bem como não observaram os princípios constitucionais e legais que regem a administração pública federal — afirmou Bugarin.
Ele listou as irregularidades apontadas nas contas da presidente, como omissão de passivos, adiantamentos concedidos por bancos públicos — as chamadas “pedaladas” fiscais —, falta de contingenciamento de despesas e abertura de créditos orçamentários por meio de decretos não numerados, sem autorização do Congresso. O procurador-geral disse que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) foi desrespeitada.
— Foi fundamental o advento da LRF, um compromisso com a democracia e o interesse público. O tribunal, nos últimos anos, já vinha emitindo ressalvas, em especial à Secretaria do Tesouro, com vista a correções. Nas contas de 2013 foi dado alerta claro ao Executivo. Não se pode dizer que o TCU estaria inovando agora — disse o procurador-geral do MP junto ao TCU.
O Globo