O número de universitários que abandonam seus cursos tem superado o total que conclui a graduação no país. Isso ocorreu por dois anos consecutivos e ficou mais forte em 2014, período com os últimos dados oficiais disponíveis.
Naquele ano, as instituições de ensino superior formaram 1 milhão de pessoas, enquanto 1,2 milhão de alunos trancou matrículas, provocando um “rombo” de 20% entre o número de trancamentos e o de formaturas.
O balanço inclui alunos de graduações presenciais e à distância (EAD), de instituições públicas e privadas.
Crise econômica, má qualidade de cursos universitários e também da formação na educação básica são fatores apontados por especialistas como causas do cenário.
O auxiliar de segurança do trabalho Rafael Tavares, 33, deixou em 2013 a graduação à distância em Serviço Social em uma faculdade de São Paulo. Ele não gostou da metodologia, embora a mensalidade de R$ 600 tenha pesado na decisão. “Nas aulas presenciais, assistíamos a videoaulas. O tutor nem era da área.”
De 2011 a 2014, o número de matriculados no ensino superior avançou 16%, chegando a 7,8 milhões. A quantidade de trancamentos no período, no entanto, saltou 60%, enquanto a de alunos diplomados variou só 1%.
Essa situação se agravou a partir de 2012. Foram 876 mil diplomados em cursos presenciais naquele ano e, em 2014, esse número passou para 837 mil –retração de 4%.
Os dados são das Sinopses Estatísticas dos Censos da Educação Superior, do MEC (Ministério da Educação).
As edições anteriores a 2011 não traziam informações sobre trancamentos. Já as planilhas que contam com o dado não detalham se a matrícula foi trancada na modalidade presencial ou à distância.
A Folha solicitou este e outros dados para o governo federal na tarde de quinta (3). A pasta afirmou que não havia tempo suficiente para o levantamento. Também argumentou que o prazo não era suficiente para esclarecer e comentar dados já divulgados e outros questionamentos.
PARTICULARES
A situação é mais grave nas universidades privadas. Em 2012, essas instituições formaram 673 mil alunos em cursos presenciais. Esse número caiu para 611 mil (-9%).
As interrupções de curso do setor privado representam 86% do total –as particulares têm 75% das matrículas.
Especialista em ensino superior, a professora da USP Elizabeth Balbachevsky diz que isso é reflexo da crise econômica, já sentida em 2014, embora outros fatores também tenham influência.
“Isso mostra um estrangulamento das condições de vida das pessoas. Para os jovens, é catastrófico, vão ter que adiar sua qualificação.”
Lucas de Campos, 21, escolheu Ciência da Computação pelo interesse em games e design. Cursou por três anos em uma faculdade particular de SP, que abandonou no ano passado. “Quando começaram os cálculos, foi complicado. Estudei em escola pública e não lembrava muita coisa.”
Sólon Caldas, diretor-executivo da Abmes, entidade que representa o ensino privado, diz que ampliar formaturas é um desafio. “Nosso aluno paga mensalidade, vai para o trabalho cedo. Por termos a maioria dos alunos vindos de escola pública, a má formação na educação básica é relevante”, disse.
Na rede pública, o aumento dos trancamentos é mais grave nas federais. Eles aumentaram 84% entre 2011 e 2014, enquanto a alta de concluintes foi de apenas 15%.
Procurada, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior informou que, por ora, não tem posicionamento sobre as oscilações.
Folha de São Paulo