A reunião da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) foi cancelada na quarta-feira (12) por falta de quórum. Com isso, ficou para a próxima quarta-feira (19) a leitura do relatório do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) à proposta de emenda à Constituição que extingue o foro especial por prerrogativa de função – mais com conhecido como foro privilegiado – para autoridades brasileiras.
A PEC 10/2013, do senador Alvaro Dias (PV-PR), revoga todos os trechos da Constituição que concedem foro especial de julgamento em casos de crimes comuns para políticos, ministros, desembargadores, juízes, procuradores, promotores e comandantes militares. Além disso, o restabelecimento do foro privilegiado passa a ser vedado pelo texto constitucional.
O senador Randolfe Rodrigues defende a aprovação do texto sob o argumento de que o foro, que foi concebido pela Constituição como uma garantia de estabilidade institucional e contra arbitrariedades tem sido distorcido por aqueles privilegiados por ele.
“Muitas pessoas buscam o mandato eletivo justamente para fugir das instâncias ordinárias da Justiça, conduta francamente reprovável. O foro tornou-se, sob o pretexto de assegurar a independência das autoridades, sinônimo de impunidade”, argumenta o senador em seu relatório.
Randolfe Rodrigues também argumenta que os tribunais superiores, especialmente o Supremo Tribunal Federal (STF), sofrem com sobrecarga de processos por serem obrigados a lidar com denúncias criminais enquanto, ao mesmo tempo, cumprem suas demais atribuições jurídicas. O senador cita estatísticas que apontam que o STF levou 124 anos para emitir sua primeira condenação de um político no exercício do mandato.
O relatório traz a estimativa de que o Brasil tem 34 mil autoridades com algum privilégio de foro garantido pela Constituição. Elas estão espalhadas por todos os três poderes e o Ministério Público, e se distribuem entre STF, Superior Tribunal de Justiça (STJ), Tribunais Regionais Federais (TRFs) e tribunais estaduais de Justiça (veja quadro).
Caso seja aprovada a proposta, todas as autoridades públicas do país, incluindo parlamentares, ministros e o presidente da República, teriam seus processos judiciais comuns iniciados na primeira instância e poderiam ser presos a partir de uma condenação na segunda instância.
As Casas do Congresso Nacional perderiam o poder de deliberar sobre a manutenção ou não da prisão de seus membros. O presidente, em caso de crime comum, seria afastado de suas funções já a partir do recebimento da denúncia pelo juiz de primeiro grau competente.
A PEC não modifica a situação dos crimes de responsabilidade (aqueles que levam ao impeachment de autoridades), que, por possuírem teor político, permanecem nas instâncias superiores.
A CCJ tem sessões deliberativas ordinárias às quartas-feiras, e deve voltar a se reunir na próxima quarta (19).
Emendas
A PEC 10 já estava pronta para votação no Plenário, mas voltou para análise da CCJ após decisão de que ela tramitasse em conjunto com outra proposta de emenda constitucional (PEC 18/2014). O novo relatório de Randolfe, o segundo apresentado por ele a respeito do projeto, incorpora sua avaliação sobre PEC 18 e também sobre emendas apresentadas no Plenário e na comissão.
A PEC 18, de autoria do senador Acir Gurgacz (PDT-RO), propõe o fim do foro especial apenas nos casos de crimes hediondos (como homicídio, latrocínio, extorsão qualificada e estupro), crimes contra a administração pública (como corrupção passiva, peculato e prevaricação) e lavagem de dinheiro.
Na análise de Randolfe, essa proposta é “demasiadamente restrita” e “não atende aos anseios da população”, uma vez que mantém a existência do foro privilegiado, criando apenas algumas exceções. Dessa forma, o senador sugere a rejeição da PEC 18.
Das 11 emendas apresentadas à PEC 10, Randolfe acatou apenas quatro, sendo duas apenas de redação. Uma terceira, do senador Alvaro Dias, inclui juízes estaduais, procuradores e promotores de justiça entre as autoridades afetadas pelo fim do foro. Já a última, do senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), proíbe a recriação do foro especial.
Uma emenda foi retirada pelo autor antes de qualquer análise. As demais seis foram rejeitadas, por serem consideradas pelo relator como atenuantes da intenção do projeto. Uma delas, do senador Roberto Rocha (PSB-MA), previa a criação de varas especializadas para o julgamento de autoridades no caso de crimes comuns. Segundo Randolfe, isso seria criar um foro especial “indireto”.
Emendas dos senadores Romero Jucá (PMDB-RR) e Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE) mantinham a competência de aceitação das denúncias nas mãos das instâncias superiores, e só depois disso os processos contra autoridades seriam remetidos ao juízo comum. Randolfe avaliou que essa ideia mantém a decisão de processamento judicial com os tribunais colegiados, o que não atende ao objetivo da PEC, segundo explicou.
Outra emenda de Romero Jucá estabelecia que os presidentes de cada um dos três poderes continuariam a ser processados e julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ela também foi rejeitada pelo relator, que discorda de qualquer preservação de foro especial.
Também foi rejeitada proposta do senador licenciado Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) que preservaria nas instâncias superiores os processos judiciais já em andamento quando da promulgação da nova emenda constitucional. Randolfe opinou que essa medida beneficiaria políticos que já prestam contas à Justiça, e “não encontra ressonância nas pretensões do povo”.
Por fim, Randolfe rechaçou emenda do senador Airton Sandoval (PMDB-SP) que definia o foro do domicílio ou da residência da autoridade em questão como responsável pelo processo. O relator explicou que esse tema já está disciplinado no Código de Processo Penal.