A vendedora Flávia Batista Florêncio, moradora da cidade de Piancó, no Sertão da Paraíba, foi até a delegacia denunciar uma agressão de um ex-companheiro e foi perguntada pelo delegado se a escoriação não foi causada pela porta do guarda-roupa ou por uma queda da escada. A denúncia foi registrada no início do mês de maio, mas o relato só veio a público nesta quarta-feira (17).
O delegado Rodrigo Pinheiro, responsável pelo caso, disse que tem duas linhas de investigação e a vítima não corre perigo, por isso não concedeu medida protetiva contra o suposto agressor. A reportagem também procurou o ex-companheiro de Flávia Florêncio, mas ele preferiu não comentar o assunto.
De acordo com a mãe da vítima, Neumã Batista, a filha tinha sido agredida pelo ex-companheiro com socos na cabeça, sendo atingida no olho. Ao ir até a delegacia registrar a agressão, a vítima diz ter recebido tratamento irônico.
“O delegado perguntou ironicamente ‘tem certeza que isso não foi a porta do guarda-roupa?’, ‘tem certeza que a senhora não caiu da escada?’, na minha casa não tem escada foi a resposta que ela deu”, comentou.
Segundo Flávia Batista Florência, após registrar a agressão, o delegado não autorizou a medida protetiva e informou à advogada da mulher agredida que não seria um segurança particular. Por conta da negação ao pedido, a vendedora entrou com um pedido junto ao Ministério Público.
“Ele não deu entrada na minha medida protetiva. Quando a advogada foi lá para saber como andava o processo, ele não tinha feito nada. O processo estava do mesmo jeito. Ela [a advogada] teve que se dirigir ao Ministério Público para que o processo tivesse andamento. Ele [o delegado] disse que quem decidia se eu precisava de medida protetiva era ele, não era a advogada, nem eu. Falou que se eu não quisesse que nada acontecesse comigo, eu me trancasse dentro de casa, que não seria meu segurança particular”, relatou Flávia Florêncio.
O delegado de Piancó, Rodrigo Pinheiro, informou por telefone que está analisando duas versões do caso: a primeira versão, apresentada pela vítima, de que foi agredida após ter a casa invadida pelo ex-companheiro; e a outra versão, de que Flávia foi agredida durante uma briga em um bar na cidade.
Sobre o pedido de medida protetiva, o delegado explicou que foi negado porque avaliou que a vítima não corre perigo. Rodrigo Pinheiro ainda acrescentou que está ouvindo várias testemunhas e que o inquérito deve ficar pronto em um prazo de 30 dias.
A promotora de defesa da mulher de João Pessoa, Rosane Araújo, explicou que no caso da denúncia da violência doméstica na delegacia é preciso que haja uma presunção favorável à vítima. “Está na lei. Ela chega, informa e requer. Ela diz ‘eu quero a medida protetiva’, que é de urgência, para preservar a integridade física e psicológica”, comentou. Ainda de acordo com a promotora são duas questões diferentes: a investigação criminal e a medida protetiva.
“A medida protetiva é uma ação cautelar. A obrigação da autoridade policial ou do Ministério Público é requerer a medida logo após colher as informações com a mulher. A autoridade policial tinha 48 horas para fazer essa remessa. Mesmo que ele considerasse o relato dela frágil”, completou a delegada.
Agressão
Segundo Flávia Florêncio, a agressão ocorreu quando ela voltava para casa com uma amiga. Ela conta que por volta das 3h, o ex-companheiro invadiu a casa, após empurrar a amiga e o portão. “Eu estava chegando em casa por volta das 3h com uma amiga. Eu entrei e ela ficou do lado de fora. Nisso ele apareceu de repente, empurrou ela, empurrou o portão e já entrou batendo em mim. Não lembro de muito coisa. Lembro de imagens. Quando eu me deito para dormir, vejo flashes, não consigo lembrar de tudo”, contou.
A vendedora contou ainda que decidiu terminar o relacionamento depois do companheiro ficar muito agressivo após ingerir bebida alcoólica. “Eu não posso ficar na minha casa. Eu não posso dormir na minha casa. Não posso andar à noite sozinha”, lamentou. O pai de Flávia, Geraldo Lopes, relatou que nunca havia batido na filha, nem quando ela era pequena.
“Ela desejou até morrer. Eu falei ‘morrer não, se levante, se levante que nós vamos agora mesmo para a delegacia para registrar um BO [boletim de ocorrência]. você não vai deixar isso impune, deixar ser só uma estatística’. O homem que faz esse tipo de coisa não é um homem, ele é um covarde”, acrescentou Neumã Batista, mãe da vítima.
A agressão e a frustração com a polícia não desencorajou a vendedora. Flávia Florêncio relatou que as mulheres precisam buscar seus direitos para que o cenário seja mudado. “Primeiro é preciso a gente ter amor próprio, a gente não é obrigada a aguentar agressão, a gente tem que levantar a cabeça, tem que ser forte e enfrentar. Porque se a gente não enfrentar, vai continuar acontecendo, eles vão continuar acreditando que podem fazer uma vez e sempre, e nunca vão ser punidos por isso”, concluiu.