O juiz convocado Onaldo Rocha de Queiroga, do Tribunal de Justiça da Paraíba, concedeu liminar ao Governo da Paraíba derrubando a suspensão das atividades do programa Empreender-PB.
O Governo do Estado ingressou com Agravo de Instrumento com pedido de antecipação de tutela recursal contra decisão proferida pelo Juízo de Direito da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de João Pessoa que, nos autos da Ação Popular ajuizada por Jonatas Franklin de Sousa, deferiu parcialmente o pedido liminar, determinando a “suspensão de qualquer concessão de crédito e/ou pagamento que tenham por sustentáculo o Programa Empreender, nas suas mais diversas vertentes”.
Ao decidir sobre o recurso, o juiz Onaldo Rocha de Queiroga observou que o Governo do Estado demonstrou nos autos o requisito do periculum in mora, ao demonstrar perigo de danos irreversíveis. O Governo do Estado sustentou que a paralisação da política pública de incentivo a geração de ocupação e renda e de apoio e fortalecimento da economia, desenvolvida pelo programa, “tem o potencial de acarretar sérios impactos negativos na economia do Estado, além de efetivo prejuízo na vida de milhares de cidadãos paraibanos que, ante a dificuldade de acesso ao crédito bancário tradicional, encontram no EMPREENDER PB a única fonte de recursos indispensável à geração de ocupação e renda, ao fortalecimento de seus pequenos negócios e, por consequência, à sua própria subsistência”
Com sua decisão, o magistrado garantiu a continuidade das atividades do Programa, até o pronunciamento final de mérito do recurso.
Confira a decisão:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA PARAÍBA
Gabinete do Des. Oswaldo Trigueiro do Valle Filho
DECISÃO LIMINAR
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0805733-90.2018.8.15.0000.
Origem : 1ª Vara de Fazenda Pública da Capital.
Relator : Onaldo Rocha de Queiroga – Juiz de Direito Convocado.
Agravante : Estado da Paraíba.
Procurador : Gilberto Carneiro de Gama.
Agravado : Jonatas Franklin de Souza.
Advogado : Em causa própria.
Vistos.
Trata-se de Agravo de Instrumento com pedido de antecipação de tutela recursal interposto pelo Estado da Paraíba contra decisão proferida pelo Juízo de Direito da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de João Pessoa (evento nº 2795826) que, nos autos da Ação Popular ajuizada por Jonatas Franklin de Sousa em face do ente ora agravante, do Fundo Especial de Apoio ao Empreendedorismo – Empreender/PB e da Secretária Executiva do Empreendedorismo, deferiu parcialmente o pedido liminar, determinando a “suspensão de qualquer concessão de crédito e/ou pagamento que tenham por sustentáculo o PROGRAMA EMPREENDER, nas suas mais diversas vertentes”.
Em suas razões, o recorrente aponta, preliminarmente, a existência de prevenção do Excelentíssimo Desembargador Frederico Coutinho para julgamento deste agravo, por ter sido relator dos Mandados de Segurança n.º 0806389-81.2017.8.15.0000 e n.º 0806391-51.2017.8.15.0000, os quais, segundo aduz, possuem conexão com o presente feito.
Ainda prefacialmente, alega a existência de nulidade na decisão, por ausência de fundamentação, uma vez que não teria apontado as razões de direito para concessão da liminar.
No mérito, afirma o desacerto do decisum, ocasionado pela concessão da medida de urgência, sem a prévia oitiva do ente público interessado, infringindo os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
Consigna que a paralisação da política pública de incentivo a geração de ocupação e renda e de apoio e fortalecimento da economia, desenvolvida pelo EMPREENDER PB, “tem o potencial de acarretar sérios impactos negativos na economia do Estado, além de efetivo prejuízo na vida de milhares de cidadãos paraibanos que, ante a dificuldade de acesso ao crédito bancário tradicional, encontram no EMPREENDER PB a única fonte de recursos indispensável à geração de ocupação e renda, ao fortalecimento de seus pequenos negócios e, por consequência, à sua própria subsistência”.
Assevera que a completa paralisação do Empreender PB, em execução há mais de 7 anos, não se justifica, haja vista que a Corte de Contas aprovou as Prestações de Contas Anuais (PCA’s) dos exercícios fiscais dos anos de 2011, 2012 e 2013 do programa, pontuando, ainda, que o número de concessões de financiamento durante o exercício de 2018 vem sendo um dos menores da história.
Acrescenta a desproporcionalidade e irrazoabilidade da medida, ante a fragilidade dos argumentos concernentes às irregularidades identificadas nos processos em trâmite na Corte de Contas, os quais pendem de pronunciamento definitivo daquela.
Por fim, aponta a caracterização de afronta ao princípio da separação dos poderes, tendo em vista que “a decisão sobre a execução de uma política pública de geração de emprego e renda está condicionada ao juízo de oportunidade e conveniência do Administrador Público” (evento nº 2795835 – pág. 20).
Requer a concessão de antecipação de tutela recursal, para que sejam restabelecidas, na sua plenitude, as atividades do programa EMPREENDER PB. Ao final, pugna pelo provimento da irresignação instrumental para reformar a decisão recorrida, indeferindo a liminar requerida em primeiro grau.
É o relatório.
DECIDO.
Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do agravo, passando à análise do pedido liminar.
Prefacialmente, consigno que não há que se falar em prevenção do Exmo. Des. Frederico Martinho da Nóbrega Coutinho, uma vez que os Mandados de Segurança nº 0806389-81.2017.815.0000 e 0806391-51.2017.815.0000, já foram devidamente julgados.
Consoante é cediço, o Novo Código de Processo Civil trouxe à temática do sistema recursal adequações terminológicas e sistematização da estrutura normativa, disciplinando as disposições gerais aplicáveis aos recursos e o regramento específico de cada uma das modalidades de impugnação de decisões judiciais, em seus arts. 994 e seguintes.
Como regra, os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido diverso. Essa é a previsão do art. 995 do Código de Processo Civil de 2015, cujo parágrafo único estabelece a possibilidade de atribuição de efeito suspensivo recursal, nos seguintes termos: “a eficácia da decisão recorrida poderá ser suspensa por decisão do relator, se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso”.
Logo, a concessão de uma liminar em sede recursal requer o risco de dano grave na demora da prestação jurisdicional decorrente do recurso, bem como a probabilidade de que este será provido, expressões novas, porém, que revelam a substância do que já se encontrava consagrado doutrinária e jurisprudencialmente, ou seja, a presença do periculum in mora e do fumus boni iuris.
Em regulamentação específica do agravo de instrumento, o legislador da nova codificação processual civil assim incumbiu ao relator no momento do recebimento do recurso instrumental:
“Art. 1.019. Recebido o agravo de instrumento no tribunal e distribuído imediatamente, se não for o caso de aplicação do art. 932, incisos III e IV, o relator, no prazo de 5 (cinco) dias:
I – poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão;
II – ordenará a intimação do agravado pessoalmente, por carta com aviso de recebimento, quando não tiver procurador constituído, ou pelo Diário da Justiça ou por carta com aviso de recebimento dirigida ao seu advogado, para que responda no prazo de 15 (quinze) dias, facultando-lhe juntar a documentação que entender necessária ao julgamento do recurso;
III – determinará a intimação do Ministério Público, preferencialmente por meio eletrônico, quando for o caso de sua intervenção, para que se manifeste no prazo de 15 (quinze) dias”.
Nesse contexto, a concessão do efeito suspensivo, exige-se a fumaça do bom direito, representada pela probabilidade de provimento do agravo, e o efetivo perigo na demora pela espera do julgamento do recurso.
Analisando o pedido de tutela de urgência requerido na inicial, a Juíza a quo concedeu, em parte, o pedido liminar, determinando a “suspensão de qualquer concessão de crédito e/ou pagamento que tenham por sustentáculo o Programa Empreender, nas suas mais diversas vertentes.” (evento nº 2795826).
Compulsando os autos, verifica-se que a magistrada de primeiro grau deferiu parcialmente a liminar tão somente com base em relatório de Auditor do Tribunal de Contas, vejamos:
“(…) As informações supra, dão conta em tese, de um incremento exagerado da concessão de crédito por meio do programa Empreender, ao longo do ano de 2018, o que representaria, se procedente, uma violação aos princípios da legalidade e moralidade administrativa, haja vista que se está diante de ano eleitoral, e a liberação de recursos em percentuais bem superiores aos concedidos nos anos anteriores, compromete a noção que se deve imprimir, de respeito e zelo pela coisa pública.
O relatório supramencionado, no id nº 16866188, diz taxativamente o seguinte:
“De janeiro a junho de 2018, o Fundo Especial de Apoio ao Empreendimento, através da ação 4225 – CRÉDITO PRODUTIVO ORIENTADO, empenhou despesas de inversões financeiras, no total de R$ 6.646 mil. No mesmo exercício de 2017, foi empenhado um total de R$ 787 mil na referida ação, representando um aumento de 744%.
Já em relação ao número de contratos, de janeiro a junho de 2017 foram firmados um montante de 135 e, em 2018, um total de 973. O aumento registrado foi de 621%.”
Consta ainda do relatório, id n16869175 uma relação de empréstimos concedidos pelo programa em tela a diversos agentes políticos, em evidente afronta aos princípios da impessoalidade e moralidade administrativa.
Ainda, do relatório em tela, consta o seguinte, relativamente aos contratos pessoa física: ‘Diante da análise realizada, conclui a Auditoria que foram identificadas irregularidades que atentam contra à consistência dos processos de concessões de crédito de 2018. Os procedimentos adotados para pessoa física não são suficientes e adequados para demonstrar, objetivamente, os critérios e parâmetros adotados pelo EMPREENDER PB, no atinente à pessoa do benefíciário e ao valor do crédito aprovado.’
Ademais, dispõe o relatório em tela, que de um total de 971 empréstimos concedidos no período de janeiro a junho/2018, a Auditoria verificou que um total de 96 deles foram com servidores públicos, entendendo a mencionada Auditoria que o empréstimo desta natureza a servidores públicos não encontra respaldo na Lei 10.128/2013, sobretudo nas linhas de crédito voltadas para pessoas física, onde não se exige a comprovação da atividade e nem a demonstração de que o recurso foi aplicado no respectivo objeto, id nº 16869175.
Para arrematar, consta do documento acima mencionado, que “Foram detectados registros de empenhos, correspondentes à concessão de empréstimos/financiamentos a pessoas físicas beneficiárias do Programa Federal Bolsa-Família. As trilhas da Auditoria apontaram 133 pessoas, totalizando 672.343,00”, id nº 16869175.
O relatório multicitado é extenso é há outras irregularidades verificadas, mas num Juízo de cognição sumária, e a fim de preservar o patrimônio público, o princípio da moralidade e o da impessoalidade, bem como a legalidade no uso e destinação de verbas públicos, defiro apenas e tão somente um dos pedidos liminares, consistente na suspensão de qualquer concessão de crédito e/ou pagamento que tenham por sustentáculo o PROGRAMA EMPREENDER, nas suas mais diversas vertentes.
Deixo de deferir os demais pleitos liminares por entender suficiente, para o presente momento processual, a suspensão do programa acima mencionado.” (evento nº 2795826).
Pois bem. Como é cediço, em que pese o julgamento do Tribunal de Contas sirva como indício da ocorrência de irregularidades, não se revela suficiente para comprovar a materialidade dos fatos.
É certo que o Tribunal de Contas faz sua análise a respeito das contas. Todavia, não se pode furtar ao Judiciário de apreciar os documentos, inquirir testemunhas, colher depoimentos, realizar toda a instrução processual necessária, para que firme sua conclusão, considerando a sua independência.
Destarte, não sendo jurisdicional o controle exercido pelo Tribunal de Contas, inexiste qualquer vinculação entre o julgamento realizado por tal Corte e uma ação popular, sujeita ao controle do Poder Judiciário.
Ora, no caso em questão, não estamos diante de uma decisão, mas apenas de um Relatório da lavra de um Auditor, sem qualquer deliberação dos membros daquela Corte.
Nesse cenário, a meu sentir, ao menos nesta análise perfunctória dos autos, não vislumbro a fumaça do bom direito nas alegações da parte agravada, sobretudo considerando que sequer houve julgamento definitivo pelo Tribunal de Contas.
A magistrada proferiu sua decisão com lastro tão somente em relatório emitido por auditor do Tribunal de Contas, que apontou em seu parecer irregularidades no Programa EMPREENDER/PB, o qual foi devidamente criado através de lei (Lei nº 9.335/2011, alterada pela Lei nº 10.128/2013), tendo como objeto o incentivo ao empreendedorismo local.
Além do mais, não se mostra razoável, em juízo de cognição sumária, a paralisação repentina da execução de uma política pública de incentivo à geração de renda e fomento da economia que se desenvolve desde 2011, baseado apenas em irregularidades apontadas em relatório de um auditor da Corte de Contas, cujo conteúdo ainda está sujeito à contestação e análise final pelo próprio Tribunal de Contas.
É sabido que políticas como a do Programa Empreender/PB possuem importância nevrálgica no contexto atual. Do ponto de vista econômico, tal iniciativa possibilita o desenvolvimento do empresariado local, em especial dos micro e pequenos empresários, além de facilitar o acesso ao crédito, gerando inúmeros benefícios indiretos. Do ponto de vista social, os incentivos econômicos promovidos pelo programa são essenciais no combate às desigualdades sociais e na luta pela inclusão social. Tais razões, verificadas na concepção e desenvolvimento do Programa questionado, também são suficientes para justificar a sua manutenção por ora.
Considerando a importância do programa ora em questão, é inegável concluir pela necessidade de ponderação de valores e de garantia do interesse público maior. Com efeito, a suspensão integral de umPrograma com evidente relevo social acarretará enorme impacto na economia do Estado, significativamente para os vários beneficiários diretos e indiretos do Empreender/PB, especialmente diante do atual momento de crise econômica vivenciada em todo o território nacional.
A propósito, trago à baila trechos da decisão proferida no Mandado de Segurança nº 0806389-81.2017.815.0000, que teve como alvo decisão proferida pelo Tribunal de Contas no sentido de paralisação da execução do Programa Empreender/PB:
“Sendo assim, considerando, a um, que a Constituição Federal pressupõe, nos incisos IX e X do art. 71, a fixação de prazo ao órgão responsável para a adoção das medidas tendentes a sanar ilegalidades detectadas pelo órgão de controle externo, a dois, a não verificação de inércia do órgão responsável no que se refere ao atendimento das solicitações do Tribunal de Contas, a três, a não indicação, no ato combatido, de excepcionalidade que justifique a interrupção abrupta da continuidade da execução de um programa de política pública de geração de emprego e renda que se desenvolve há mais de seis anos, entendo que a decisão questionada não se mostra proporcional, notadamente por prejudicar milhares de paraibanos por ele beneficiados.
Deveras, não é razoável suspender um programa de política pública de amplo alcance social sem uma análise mais detalhada das irregularidades indicadas pelo requerente da medida cautelar, ainda mais se considerado que o Ministério Público de Contas apontou apenas indícios, é dizer, não apresentou fato concreto capaz de demonstrar que o programa EMPREENDER/PB não vem cumprindo sua destinação legal.
(…)
Esse quadro de incertezas exposto pelo próprio requerente da medida cautelar demonstra a desproporcionalidade de interromper, no início do controle inicial de irregularidades e sem oportunizar correção e/ou esclarecimento das eventuais falhas indicadas, a execução de um programa de geração de emprego e renda que, repisa-se, vem sendo implementado há mais de seis anos em todo o estado da Paraíba.”
Ademais, consigno que, quando houve o efetivo julgamento pelos membros do TCE das prestações de contas relativas aos exercícios de 2011, 2012 e 2013, os membros deliberam pelas suas aprovações, fato que demonstra a necessidade de maior análise das supostas irregularidades apontadas no Relatório do ano 2018, sob o crivo do contraditório, mormento considerando o grande impacto da interrupção do Programa para seus beneficiários.
Outrossim, observando a conclusão da auditoria de contas, extrai-se que, essencialmente, dispõe acerca do aumento da concessão do crédito em 2018, fato que não configura, por si só, motivo hábil para o deferimento da medida extrema de suspensão do Programa, uma vez que pela sua própria natureza, a tendência é que ocorra aumento ano a ano.
Ademais, observa-se, numa visão preliminar, que o Estado ainda não fora ouvido no âmbito da Corte de Contas sobre o dito Relatório, o que, perfunctoriamente, compromete o contraditório e a ampla defesa, implicando, assim, que qualquer decisão judicial suspendendo o Programa, com a devida vênia, afrontaria tais aspectos constitucionais.
Portanto, ainda que em um juízo de cognição sumária dos fatos, verifico ter restado demonstrado nos autos o requisito da fumaça do bom direito pelo recorrente, bem ainda o periculum in mora, uma vezque a manutenção da suspensão do Programa Empreender/PB acarretará prejuízos incomensuráveis a milhares de paraibanos que necessitam da concessão do crédito.
Ante o exposto, DEFIRO o pedido liminar, para o fim de suspender a decisão recorrida, garantindo a continuidade das atividades do Programa Empreender/PB, até o pronunciamento final de mérito do recurso.
P. I.
Comunique-se, imediatamente, o inteiro teor desta decisão ao juízo prolator da decisão agravada.
Em seguida, intime-se a parte agravada para, querendo, apresentar resposta aos termos do presente agravo de instrumento, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, na forma do art. 1.019, inciso II, do Novo Código de Processo Civil.
Decorridos o aludido lapso temporal, sem incidentes que dependam de nova apreciação, conceda-se vistas à Procuradoria de Justiça para que se manifeste, nos termos do art. 1.019, inciso III, do Novo Código de Processo Civil.
Cumpra-se.
João Pessoa, 3 de outubro de 2018.
Onaldo Rocha de Queiroga
Juiz Convocado Relator