O poema ‘Habeas pinho’, do ex-governador Ronaldo Cunha Lima, foi citado na prova de Linguagens, do Enem, nesse domingo (17). O texto foi construído em 1955 como petição do advogado, poeta e ex-governador a um juiz para liberação do violão apreendido, o qual pertencia a um grupo de boêmios que faziam serenata.
O ex-governador e ex-senador Cássio Cunha Lima criticou a adaptação dos versos e a falta de crédito ao autor do texto, seu pai, na prova do Enem. “Claro que é honroso ver o poema/petição, Habeas Pinho, do nosso @poeta_ronaldocunhalima, usado como uma das questões do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) aplicado hoje. Mas em respeito a produção intelectual do meu pai, esclareço que a citação foi adulterada e lamento a não menção ao autor. O quesito remete ao www.migalhas.com.br onde o poema está correto. De toda forma vale a promoção da poesia paraibana e da cultura nordestina. Que possamos aprender, também, com os erros. Um olhar positivo sobre as coisas…”
Ele completou dizendo que “além da adulteração e da omissão da autoria, a questão comete o erro de tratar o poema/petição como cordel. Não se trata de um cordel, que tem sua métrica própria. De toda forma, a poesia paraibana e a cultura nordestina foram promovidas. Vamos ver de maneira positiva e aprender com os erros.”
Confira como ficou o poema na prova e, abaixo, a íntegra original do texto de Ronaldo Cunha Lima
Poema original de Ronaldo Cunha Lima
HABEAS PINHO
Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da 2ª Vara desta Comarca
O instrumento do crime que se arrola
neste processo de contravenção
não é faca, revólver nem pistola,
é simplesmente, doutor, um violão.
Um violão, doutor, que na verdade
Não matou nem feriu um cidadão.
Feriu, sim, a sensibilidade
de quem o ouviu vibrar na solidão.
O violão é sempre uma ternura,
instrumento de amor e de saudade.
O crime a ele nunca se mistura.
Inexiste entre eles afinidade.
O violão é próprio dos cantores,
dos menestréis de alma enternecida
que cantam as mágoas que povoam a vida
e sufocam suas próprias dores.
O violão é música e é canção,
é sentimento vida e alegria,
é pureza é néctar que extasia,
é adorno espiritual do coração.
Seu viver como o nosso é transitório,
mas seu destino, não, se perpetua.
Ele nasceu para cantar na rua
e não para ser arquivo de cartório.
Mande soltá-lo pelo amor da noite
que se sente vazia em suas horas,
para que volte a sentir o terno açoite
de suas cordas leves e sonoras.
Libere o violão, Dr. Juiz,
Em nome da Justiça e do Direito.
É crime, porventura, o infeliz,
cantar as mágoas que lhe enchem o peito?
Será crime, e afinal, será pecado,
será delito de tão vis horrores,
perambular na rua um desgraçado
derramando na rua as suas dores?
É o apelo que aqui lhe dirigimos,
na certeza do seu acolhimento.
Juntada desta aos autos nós pedimos
e pedimos também DEFERIMENTO.
Ronaldo Cunha Lima, advogado.