O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria, nesta terça-feira (25), para descriminalizar o porte de maconha para consumo pessoal. Os ministros concluíram que a conduta deve ser vista como um ilícito administrativo e não mais como ilícito penal. Na próxima sessão, nesta quarta (26), o plenário definirá os detalhes para colocar esse entendimento em prática, além de estabelecer o limite para diferenciar o usuário do traficante de maconha.
O que foi definido, na prática
O consenso, até o momento, é o seguinte:
- A maioria votou para não considerar crime o porte para consumo pessoal;
- Não pode haver contingenciamento de dinheiro público voltado a políticas sobre maconha;
- Deverão ser criadas medidas de fomento a campanhas de esclarecimento contra consumo de drogas;
- Consumo em local público continua sendo vedado.
O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, ressaltou na sessão desta terça que a Corte tem o objetivo de disciplinar o tema, não de legalizar a maconha. “Não estamos liberando, estamos tentando disciplinar a ilicitude de uma forma específica“, declarou.
Pendências
As pendências a serem solucionadas nesta quarta (26) são:
- Sanar diferenças entre os votos dos ministros;
- Definir a tese final que será aplicada em todos os casos no Brasil;
- Fixar a quantidade para diferenciar usuário de traficante.
Quantidade
Há três correntes distintas sobre qual deve ser a quantia máxima para diferenciar usuário de traficante.
- Luís Roberto Barroso, Cristiano Zanin e Nunes Marques: 25 gramas
- Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Rosa Weber (aposentada): 60 gramas
- Edson Fachin, Dias Toffoli, Luiz Fux e André Mendonça: limite deve ser definido pelo Congresso Nacional ou pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Ao final da sessão desta terça (25), os ministros sinalizaram que podem chegar a um meio termo entre as duas quantidades: 40 gramas. Esse foi o entendimento sugerido por Barroso e que teve a anuência prévia de Moraes.
O desafio será deixar claro que haveria uma presunção relativa sobre a ilicitude. Ao fim dos processos, caberia ainda ao juiz fazer a diferenciação entre usuário e traficante.
Por exemplo, se uma pessoa fosse flagrada com uma quantidade permitida de maconha, mas ela portasse balanças de precisão e alta quantia de dinheiro vivo, o magistrado poderia avaliar se nessas circunstâncias, ela seria enquadrada como traficante.
Entenda dispositivo questionado no STF
O julgamento no STF teve como ponto de partida o questionamento do artigo 28 da Lei de Drogas (de 2006), que diz o seguinte:
Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I – advertência sobre os efeitos das drogas;
II – prestação de serviços à comunidade;
III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Antes dessa lei entrar em vigor, o porte de drogas tinha pena de seis meses a dois anos de detenção. Com a alteração feita em 2006 pelo Congresso Nacional, a prisão caiu para dar lugar às sanções acima.
Apesar das penas mais brandas, o porte de drogas ainda é considerado crime pela lei de 2006. Isso gera implicações ao usuário detido, inclusive manchas na ficha criminal.
Ponderações de Barroso
O julgamento no STF começou em 2015. Na época, o relator, ministro Gilmar Mendes, propôs derrubar por completo o artigo 28, descriminalizando o porte de maconha e todas as outras drogas, como cocaína, heroína, crack etc. Posteriormente, Mendes ajustou o voto, restringindo a discussão apenas à maconha. Esse passou a ser o foco da discussão no STF.
Mas o caso ficou adormecido no STF desde então. Até que voltou ao plenário na semana passada. Ao retomar a discussão, o presidente do STF, Barroso, lembrou que a ideia é derrubar o inciso II (prestação de serviços à comunidade).
Segundo Barroso, essa sanção — ainda que branda — remete a crime e por isso deveria cair. Já as outras duas (incisos I e III) deveriam permanecer, por serem mais apropriadas ao viés educativo de conscientização sobre os malefícios da maconha e demais drogas.
Mas, a partir daí, as discussões dos ministros tiveram poucas abordagens explícitas sobre derrubar ou não a prestação de serviços à comunidade. Em vez disso, o plenário foi mais a fundo na natureza jurídica do porte de maconha. Houve discussões sociais, estatísticas e filosóficas. Teve até bate boca-entre André Mendonça (contrário à descriminalização) e Barroso (favorável).
Voto controverso de Toffoli
Um voto controverso de Dias Toffoli colocou mais lenha na fogueira. O placar provisório, ao final da semana passada, parecia ser 5 a 3 a 1.
Os cinco a favor da descriminalização da maconha eram de Barroso, Mendes, Rosa Weber, Edson Fachin e Alexandre de Moraes.
Os três contrários eram de Cristiano Zanin, Nunes Marques e André Mendonça.
Toffoli dizia que não se alinhava a nenhuma das posições, pois, para ele, o artigo 28 já nasceu sem natureza criminal (penal), justamente por não ter pena de prisão.
Reviravolta
Nessa terça (25), Toffoli fez uma “complementação de voto”. Pediu desculpas por não ter sido claro na semana passada. E disse que, na verdade, estava se alinhando a Barroso, Mendes, Weber, Fachin e Moraes.
Com isso, o placar, que parecia ser de 5 a 3 a 1, passou a ser oficialmente 6 a 3. Como o plenário tem 11 ministros, formou-se então a maioria pela descriminalização.
Voto de Fux
Luiz Fux votou em seguida. Fez uma longa exposição sobre os riscos do posicionamento que o STF havia acabado de adotar. Assim como Mendonça, afirmou que o STF estava invadindo uma competência do Congresso Nacional. Fux defendeu que, antes de discutir esse tema, o Brasil deveria criar regras sobre o mercado legal de maconha.
Para Fux, descriminalizar com as regras de hoje apenas fortalece o narcotráfico, que detém o controle da produção e da venda de maconha atualmente. Fux alinhou-se, em linhas gerais, à corrente formada por Mendonça, Zanin e Marques, embora com algumas ressalvas relacionadas à maneira como eles enxergam a natureza jurídica do artigo 28.
Voto de Cármen Lúcia
Cármen Lúcia proferiu o último voto. Posicionou-se a favor da descriminalização, levando o placar a 7 a 4. A ministra lembrou o voto de Moraes, que citou estudos demonstrando que a apreensão de uma mesma quantidade de maconha pode configurar tráfico para negros e consumo para brancos.
Para Lúcia, o STF deve estabelecer limites a decisões individuais de autoridades policiais para evitar injustiças. “Quando acontece isso, nós temos a ruptura de preceitos constitucionais. Por exemplo, a igualdade, que o ministro Alexandre de Moraes esquadrinhou de uma maneira muito apropriada com base em fatos reais”, disse a ministra.
Como o caso chegou ao STF
O julgamento que descriminalizou o porte de maconha para uso próprio é do Recurso Extraordinário (RE 635659). Esse recurso chegou ao STF na tentativa de reverter a condenação de um homem flagrado com 3 gramas de maconha.
No dia 21 de julho de 2009, agentes penitenciários encontraram a erva escondida dentro da marmita do mecânico Francisco Benedito de Souza, no Centro de Detenção Provisória de Diadema (SP). Ele estava preso por assalto à mão armada.
De acordo com o Boletim de Ocorrência, registrado na 1º DP do município, Benedito assumiu ser o dono da substância e disse que seria para uso pessoal. Ele foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo à prestação de dois meses de serviços comunitários. A Defensoria Pública do estado recorreu, mas não conseguiu reverter a sentença, até que o caso foi parar no STF.